Os conselheiros classificaram palestras remuneradas a empresas e entidades empresariais como 'exercício de magistério superior'
Uma semana depois de ter determinado a apreensão de um boneco que o caricaturava, sob a alegação de que representava “grave ameaça à ordem pública” e comprometia a dignidade da Justiça, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, voltou a provocar polêmica. Em sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual também é presidente, ele defendeu que os juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que proferirem palestras remuneradas por entidades privadas não precisam informar o valor recebido. “A preocupação é resguardar a privacidade, a intimidade e a própria segurança porque, num país em crise, a segurança pública ainda não atingiu os níveis desejados”, afirmou.
A discussão sobre o tema começou no ano passado, depois da divulgação de que alguns ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estariam recebendo pagamentos por palestras proferidas aos advogados de um grande banco, sem que em seguida se declarassem impedidos de julgar os recursos por eles impetrados contra decisões nas instâncias da Justiça do Trabalho. Até o corregedor-geral da instituição, que à época era relator de várias ações que tinham o banco como parte, proferia palestras remuneradas por aquela instituição.
Por causa das implicações éticas do pagamento a ministros dos tribunais superiores por palestras proferidas em instituições financeiras, que são apontadas pelas pesquisas do Judiciário como as maiores litigantes do País, o caso foi levado ao CNJ. Encarregado de fiscalizar os tribunais no plano administrativo, o órgão decidiu baixar uma resolução sobre a matéria, mas se deixou levar pelo corporativismo. Os conselheiros classificaram palestras remuneradas a empresas e entidades empresariais como “exercício de magistério superior”, que é a única atividade extra permitida aos juízes. Ao justificar essa decisão, que contraria o artigo 26 da Lei Orgânica da Magistratura, em vigor desde 1979, alguns conselheiros afirmaram que ela teria restringido as atividades extrajudiciais dos magistrados por ter sido editada no regime militar. Não levaram em conta, porém, que o artigo 95 da Constituição, promulgada no regime democrático, proíbe os juízes de “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílio ou contribuições de pessoas físicas e entidades públicas e privadas”.
Os conselheiros também incluíram na minuta da resolução um dispositivo que obriga os magistrados que aceitarem convite para ministrar palestra remunerada a informar a data e o local de sua participação, o tema abordado, a entidade promotora do evento e o valor dos honorários. Mas Lewandowski vetou a última exigência. Além do argumento da segurança, ele alegou que ela feriria o direito dos magistrados à intimidade, à privacidade e ao sigilo fiscal. “Não somos obrigados a revelar quanto recebemos nas atividades privadas”, afirmou. O argumento é tão disparatado que levou o deputado Rubens Bueno (PPS-PR) a apresentar um pedido de esclarecimento ao CNJ. “Qual é a transparência de alguém que tem carreira de Estado e não divulga publicamente o quanto ganha?”, indagou o parlamentar. O veto “impede a transparência e o controle público”, afirmou ao jornal Valor o advogado trabalhista Ericson Crivelli, que já pediu ao TST o afastamento, no julgamento das causas de seus clientes, de ministros que proferirem palestras remuneradas no banco em questão.
Com isso, a resolução que o CNJ acabou aprovando ficou desfigurada, uma vez que não impede que ministros de tribunais superiores continuem treinando ou capacitando advogados de grandes litigantes, a pretexto de discutir “doutrinas jurídicas”. Quando julgadores se transformam em palestrantes pagos por uma das partes das ações que têm de julgar, os conflitos de interesses são flagrantes. E quando essa prática não é impedida pelo órgão encarregado de fiscalizar a Justiça, a instituição acaba sendo cooptada pelo poder econômico, em detrimento dos trabalhadores que correm à Justiça do Trabalho para lutar por seus direitos, mas não têm as mesmas condições das partes adversas.
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