segunda-feira, junho 13, 2016

Os pingos nos is - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 13/06

Incomoda-me a postura falsamente neutra que tende a colocar no mesmo nível a gestão de governo 1995-2002 com o que aconteceu depois



Volto aqui a lidar com as questões nacionais. Não tenho procuração para defender a gestão FHC. Embora tenha exercido uma função subalterna no governo dele em 1995, seria despropositado me considerar parte da sua equipe. Feito o esclarecimento inicial, o leitor que porventura tiver acompanhado meus artigos nos últimos 20 anos sabe da minha identificação com as políticas implementadas por FHC, cujo governo defendi, sem ter me furtado na época, entretanto, a criticar a política fiscal implementada até 1998. Além disso, estou ligado, por comunhão de ideias e vínculos de amizade, a boa parte das pessoas que ocuparam posições de destaque na equipe econômica naqueles anos.

Por isso, incomoda-me a postura falsamente neutra que tende a colocar no mesmo nível a gestão de governo 1995-2002 com o que aconteceu depois. Ao dizer isto, quero ressaltar o papel que uma boa equipe, competente e honesta representa para o desempenho de um governo. Só para citar os casos mais conhecidos, vou lembrar nomes cujo espírito público, dedicação ao trabalho e qualidade técnica seriam reconhecidos em qualquer burocracia pública das mais avançadas do mundo: Malan, Gustavo Franco, Arminio Fraga, Amaury Bier, Bacha, Lara Resende, Mendonça de Barros, Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Murilo Portugal, E. Amadeo, Eduardo Guimarães, Fabio Barbosa, Eduardo Guardia, Martus Tavares, Pedro Parente, Guilherme Dias, Reichstul, Francisco Gros, Elena Landau e os diretores do Banco Central naqueles anos fariam bonito em qualquer país. Todos se destacaram no governo FHC; todos tinham um nome profissional prévio; todos saíram da função pública sem maiores problemas quando as circunstâncias assim o requereram, dando mostras de que não tinham interesse no cargo em si — e todos voltaram à planície e continuaram se destacando nas suas respectivas áreas. Ainda que com todos os problemas de um país difícil de governar e com as tensões inerentes a qualquer grupo — administradas com maestria por FHC —, eles deram uma colaboração decisiva para vencer a hiperinflação, revezaram-se para “tocar o barco” durante oito anos, legaram um país com a economia essencialmente estabilizada — noves fora a bagunça de 2002, associada às estripulias da campanha eleitoral — e depois foram cuidar da vida, com pleno sucesso. Eles tinham o sentimento de ajudar o país, senso de pertencimento a uma equipe e cumpriram com zelo a sua missão. Eram anos em que havia liderança, equipe, projeto e rumo.

O que veio depois? Aqui é preciso fazer uma distinção. Na equipe de Lula em 2003 e nos primeiros anos, havia nomes com algumas daquelas características: Henrique Meirelles, Joaquim Levy, Marcos Lisboa, Roberto Rodrigues e a ótima equipe de diretores do Banco Central. Eles tinham dois denominadores em comum: 1) a competência; e 2) a ausência de identificação com o PT ou com as ideias por este defendidas ao longo dos 20 anos anteriores. Ou seja, não havia um vínculo com o projeto de governo. Enquanto Lula manteve esse time, as coisas funcionaram. O problema é que a política adotada naqueles anos não tinha nada a ver com o partido. Quando o PT começou a dar as cartas, em meados da década, o barco do país começou a desandar — e, quando assumiu de vez o controle, o barco naufragou. Treze anos depois, o que tínhamos no começo de 2016? Falta de liderança, de equipe, de projeto e de rumo. A ideia de que as experiências de FHC e de Lula/Dilma se igualam é um completo equívoco.

Insisto para que o leitor faça os devidos paralelos. De um lado, o que temos? Ex-autoridades que podem ir a qualquer lugar, têm seu papel reconhecido e formaram um elenco estelar de craques que honrariam qualquer equipe. E do outro? Um ex-ministro da Fazenda que teve que sair do governo duas vezes por fatos que não conseguia explicar; outro que não consegue sair para a rua sem passar por constrangimentos por ter levado o país à maior crise da sua história; uma penca de membros do “alto generalato” partidário espalhados pelas prisões do país; e o vazio mais absoluto.

Liderança, equipe, projeto, rumo. Havia no passado; deixou de haver depois. Em momentos em que o país precisa reencontrar o caminho do progresso, é bom estabelecer as diferenças. A formação da equipe de Temer, nesse sentido, dá espaço para recuperar certo otimismo.

Fabio Giambiagi é economista

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