Um terremoto tem sempre choques que vêm depois e que são, ao mesmo tempo, certos e imprevisíveis. Sabe-se que os novos tremores virão, mas não se sabe a intensidade. Assim estava ontem o Reino Unido depois da decisão de deixar a União Europeia, sem saber exatamente de onde viria o perigo. O primeiro recado de diversas autoridades do bloco foi que os britânicos saiam logo, porque este não é um divórcio amigável.
A estratégia que resta aos líderes europeus é endurecer com o Reino Unido. Se o país tiver ao mesmo tempo a vantagem da separação, e um custo baixo, isso será um incentivo para outras saídas. Será o começo do fim da Europa como nós a entendemos hoje. Além do mais um processo muito demorado alimentará a incerteza. Por isso, as lideranças da União Europeia querem que o processo seja rápido — “as soon as possible”, como vários disseram ontem — apesar de o artigo 50 do acordo que formalizou a união dar dois anos para a negociação da saída.
A indústria dos serviços financeiros será a primeira a sofrer porque a City de Londres, que sempre reinou absoluta na Europa, deverá ficar menor. Ontem o site do “Financial Times” (FT), ao invés do seu tradicional rosa, estava com tarja escura. Muitos bancos vão temer que a separação crie barreiras e taxas extras para as transações entre os países, e podem preferir, por exemplo, se instalar em Frankfurt, na Alemanha. O segmento é responsável por dois milhões de empregos no país e no ano passado pagou US$ 91 bilhões de impostos. Indústrias — como fez a Ford ontem — já começam a pensar em nova sede para a sua produção, por temer barreiras ao comércio com outros países do continente. A economia inglesa é basicamente de serviços, mas também esse setor pode encolher após a separação.
Evidentemente haverá perdas para todos, por isso ontem foi dia de destruição de riqueza nos mercados financeiros, com quedas fortes nas bolsas e oscilações no mercado de moedas, com a Libra perdendo valor. Haverá perdas econômicas e políticas. A Europa amanheceu menor, o Reino Unido, mais fraco, e a ideia da união, mais vulnerável. Na área política, basta ver de onde vieram as comemorações: dos políticos de direita da França, como Marine Le Pen, da Itália e da Holanda e do candidato republicano nos Estados Unidos, Donald Trump.
O primeiro-ministro David Cameron é o grande perdedor político. Foi dele a ideia de convocar o plebiscito no meio de uma tensa negociação com a Zona do Euro, depois tentou recuar e não foi possível. Fez campanha pelo “fica” e ganhou o “sai”. A atitude natural era renunciar, como ele fez. No discurso ele se creditou por várias vitórias, e citou a aprovação do casamento gay, a formação de um governo de coalizão e a recuperação da economia britânica. Mas, como disse uma análise do “FT”, sempre ficará como a pessoa que tirou o Reino Unido da Europa.
Uma economia fragilizada como a brasileira não tem nada a ganhar em ambiente de muita incerteza, em que o capital foge atrás de algum porto seguro, em que as empresas entram no modo “esperar para ver” antes de confirmar investimentos, em que se fortalecem barreiras.
A tendência dos ingleses de ainda se acharem o centro do mundo é motivo para uma velha piada. Dizem que quando o país está coberto pelos seus nevoeiros, o britânico típico costuma dizer: “o continente está isolado”. Os defensores do “Brexit” devem estar dizendo isso, mas, como nos “fogs”, quem se isola é a ilha. O continente, contudo, corre diversos riscos na economia e na política. O maior dos perigos é enfraquecer a mais brilhante ideia política nascida do pós-guerra que foi a da construção de uma federação de nações que abriram mão de parte de sua autonomia pelo projeto comum, que uniu inclusive os velhos inimigos de duas guerras. O Reino Unido escolheu se isolar, mas no meio do nevoeiro destas horas seguintes ao primeiro choque, o que se pode ver é que o velho espectro da desunião ronda a Europa.
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