O GLOBO - 05/05
Relatório do impeachment se torna público nos 16 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma coincidência histórica bem apropriada: ontem, na mesma data em que o senador Antonio Anastasia leu seu relatório a favor do impeachment da presidente Dilma, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que baseou o pedido, fez exatos 16 anos, editada que foi em 2000.
Para o economista José Roberto Afonso, um dos autores da lei, após tudo o que aconteceu, o importante agora é refundar a LRF, fechar brechas e evitar que erros se repitam. Não basta mudar nomes, precisamos mudar regras, diz ele.
“Insisto que urge endurecer a LRF, uma tarefachave para Temer”. Anastasia chamou a atenção em seu relatório para o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que visa especialmente ao uso desmedido de força do controlador para se financiar pelos bancos públicos.
Essa é a explicação técnica para o fato de o Tribunal de Contas da União não ter considerado os atrasos pontuais dos governos Fernando Henrique ou Lula como enquadráveis na vedação do dispositivo. A explicação é um contraponto à alegação do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, de que não há meia operação de crédito, como não há meia gravidez.
José Roberto Afonso vai mais longe, não aceita a tese de que Fernando Henrique “pedalou”. Ele diz que tanto FH quanto Lula “atrasaram dias, quando muito, e sobrava saldo nos outros dias; no governo Dilma, o atraso foi longo, crescente e não compensado”.
Como ficou demonstrado no relatório de Anastasia, não faz sentido usar o critério da anualidade para afirmar que a meta fiscal foi cumprida porque, no final do ano, o governo, com maioria no Congresso, conseguiu mudar a meta de um superávit para déficit. Seria dar um cheque em branco para o governante, que poderia estourar todas as metas fiscais e justificar no final do exercício com uma mudança radical de meta.
Da mesma maneira, o senador Anastasia aproveitou o relatório para dar uma lição de democracia ao refutar a tese do golpe. Segundo ele, a responsabilização faz parte da própria ideia de estado de direito e de República. “Senão, teríamos um poder absoluto do governante”.
Citando Rui Barbosa, o tucano disse que o impeachment “é mecanismo que dá ao presidencialismo possibilidade — ainda que tímida — de responsabilização política do presidente, sem rupturas institucionais”.
Presidencialismo sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor de dois mundos para o governo, ressaltou Anastasia: o Executivo forte do presidencialismo, mas sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso. “Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”.
Anastasia refutou também como não sendo razoável a suposição de que a presidente “não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões junto a bancos públicos federais pairava na atmosfera fiscal da União”. Até mesmo porque, lembrou, esse endividamento foi utilizado como forma de financiamento de políticas públicas prioritárias.
“Não se trata, portanto, no presente caso, de se ‘pedir impeachment porque alguém rouba um grampeador’”, tal como disse Cardozo, rebateu o relator. O relatório, embora se circunscreva aos atos cometidos em 2015, lembra que esses procedimentos vinham de antes.
Apesar da vedação imposta pelo art. 36 da LRF, a União acumulou um passivo de R$ 17,5 bilhões ao final de 2014 junto ao BNDES. Os montantes devidos continuam a crescer ao longo de 2015 até alcançarem o valor de R$ 21,3 bilhões em novembro.
Ao contrário do relatório do deputado Jovair Arantes na Câmara, o de Anastasia foi sóbrio e técnico, sem entrar mais profundamente em questões políticas ou se aprofundar no “conjunto da obra”, embora a ligação dos atos de 2015 com os de anos anteriores, caracterizando um método de governo, tenha sido ressaltada.
Não ficou muito espaço para os governistas contestarem as razões para a aceitação do impeachment, embora seja previsível que hoje o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em mais uma defesa, tentará manter a tese de nulidade das acusações.
Nada, porém, que mude o rumo dos acontecimentos, especialmente depois que o próprio Cardozo e Dilma foram denunciados pelo procurador-geral da República por tentativas de obstrução da Justiça nas investigações da Lava-Jato.
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