ESTADÃO - 26/04
O setor produtivo, que já se deparava com um ambiente de negócios muito difícil antes da crise, só viu a situação piorar nas recentes e fracassadas tentativas – do governo federal e de alguns governos estaduais – de resolvê-la com aumentos de impostos e pelo aumento geral das taxas de juros a partir da taxa Selic. Outros impostos estão no forno e, qualquer que seja a equipe econômica, ela poderá ver-se tentada a resolver a gravíssima crise fiscal dobrando a aposta nessa direção.
Mas será que esse é o único e inevitável caminho? Eu tenho convicção que não. Na realidade, estamos num círculo vicioso, empurrados pela incompetência da política econômica dos últimos anos, e a insistência nesse caminho poderá ter como consequências o agravamento da crise e a redução subsequente da arrecadação. Poderemos estar matando a galinha dos ovos de ouro.
O encaminhamento de qualquer saída para essa grave crise tem de levar em conta que investimentos, impostos, empregos e riqueza são gerados originária e majoritariamente pelas empresas e pelos empreendedores, ou seja, pelo setor produtivo. Asfixiar ainda mais o setor produtivo vai na direção oposta ao que se deseja. Qualquer solução tem de passar por uma redução dos ônus que sobre ele recaem. Somente dessa maneira é que teremos mais crescimento e mais arrecadação. Buscar o reequilíbrio no curto prazo a qualquer custo tem o alto risco de não nos tirar do círculo vicioso.
O Estado brasileiro – pelo qual passa, na forma de impostos ou contribuições, cerca de 35% de tudo o que as empresas e os cidadãos produzem no País – apresenta-se cada vez mais como um obstáculo ao desenvolvimento econômico e social da Nação.
Atribuem a Tom Jobim a expressão “Brazil is not for beginners” – o Brasil não é para amadores –, que serve para descrever a situação de como é fazer negócios no Brasil. A realidade é uma só: o ambiente para o funcionamento das empresas e para a realização de negócios no Brasil, que já era muito árido e hostil, só piorou com as medidas adotadas para tentar sair da crise.
Assim, e muito paradoxalmente, chegou-se a um ponto em que os empreendedores brasileiros devem provar-se não somente capazes num ambiente desvantajoso em relação ao de seus principais competidores internacionais, mas também implorar para terem um mínimo de condições para realizar, empreender, gerar riquezas.
A saída para escapar desse círculo vicioso passa pela credibilidade, consistência, coragem e criatividade das autoridades econômicas. Qualquer política que seja mais abrangente terá de ser lançada por uma equipe econômica de alta credibilidade, seja para tornar críveis as medidas propostas, seja para antecipar os seus resultados, reduzindo o custo dessas reformas no curto prazo.
Uma ampla agenda para “desasfixiar” o setor privado tem de lidar com os problemas com que nos deparamos no dia a dia, na nossa vida como cidadãos e dentro das empresas, e que foram se agravando na última década com a incapacidade de ajuste de nossos marcos institucionais a um mundo em transformação e às transformações estruturais do próprio Brasil.
Como nos lembra Douglass North, Prêmio Nobel de Economia, as instituições, sejam elas representadas por relações ou regras formais ou informais, surgem como uma resposta das diversas sociedades aos custos para a interação econômica, ou custos de transação. Mas as soluções para um certo problema no passado estão na base de instituições que nem sempre são as mais adequadas para diferentes etapas do desenvolvimento. Como isso se aplicaria à situação brasileira atual?
É que, dada a urgência e a gravidade da situação econômica atual – exacerbada pela crise política –, é preciso despir-se de pudores em discutir mudanças que alterem profundamente o status quo do ambiente de fazer negócios, embora mantendo as conquistas do País em diversas áreas nas últimas décadas. O aparato institucional brasileiro, formal ou informal, seja ele representado pela carga de impostos, pela ineficiência do Estado, pelo ambiente regulatório ou pela própria corrupção, representa hoje enormes custos de transação para as empresas.
Há hoje no Brasil enorme necessidade de atualização de políticas – tributária, trabalhista, previdenciária e muitas outras –, que precisam ser reexaminadas, avaliadas, simplificadas e modernizadas.
Há um outro valor muito importante para o crescimento econômico, que é a confiança. Para Francis Fukuyama, “se as pessoas confiam umas nas outras porque elas operam de acordo com um conjunto comum de normas éticas, fazer negócios custa menos. Essa sociedade vai estar mais apta a inovar organizacionalmente, porque um nível mais alto de confiança permite a emergência de ampla gama de relações sociais”.
Quando não existe um adequado grau de confiança, como é o caso do Brasil, a sociedade acaba recorrendo a um alto grau de formalização e a um aparato legal excessivo, aumentando os custos de transação e atrasando o desenvolvimento. No Brasil vivemos, ao contrário, a “economia da desconfiança”, expressão cunhada por Luiz Hanns.
O risco para o Brasil está justamente em ter uma nova década perdida, como já apontam muitos analistas. A oportunidade está em usar a crise para dar uma guinada estrutural na nossa economia e no nosso arcabouço institucional para fazer negócios, para dar novo vigor ou ressuscitar a galinha dos ovos de ouro.
Para isso não podemos perder de vista, nunca, a diferença entre o país em grave crise que somos e o pujante país que poderíamos ser. Isso nos trará o inconformismo que será a alavanca para nos tirar da paralisia.
*PEDRO PARENTE É PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA BMF&BOVESPA, SÓCIO-DIRETOR DO GRUPO PRADA DE ASSESSORIA FINANCEIRA E EMPRESARIAL, FOI MINISTRO NO GOVERNO FHC
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