O GLOBO - 26/04
Em uma semana tensa, no auge da crise política, com os indicadores fiscais péssimos e a dívida pública escalando, o Supremo Tribunal Federal ( STF) decidirá sobre a briga dos estados com a União. De um lado, os estados dizem que vão quebrar se tiverem que pagar a dívida da maneira com que ela é cobrada. De outro, o governo calcula que a dívida que ontem chegou a R$ 2,8 trilhões vai aumentar mais R$ 300 bilhões.
É assunto complicado em hora difícil. O Supremo recebeu o ministro da Fazenda e alguns governadores dias atrás. Conversei com duas fontes que estiveram na audiência e ficaram com a impressão de que o Governo Federal não foi convincente, não deu as respostas pedidas pelos ministros. Há dúvidas no Supremo sobre o cálculo dos R$ 300 bilhões e houve quem não se deixasse convencer pelo argumento do ministro Nelson Barbosa de que a revisão dos contratos entre União e estados geraria precedente que poderia comprometer todo o sistema de crédito do país.
— A verdade é que nós temos que decidir uma questão gravíssima, em momento muito delicado na economia e na política, o governo tem uma equipe econômica fraca e o advogado- geral da União está ausente porque tem outras preocupações — disse um dos ministros que votarão amanhã na questão da dívida dos estados com a União.
A tese do governo é de que se a União for forçada a adotar juros simples, em vez de juros compostos, na dívida dos estados, todos os devedores poderão requerer o mesmo tratamento. No Supremo se diz que mudança nos contratos envolvendo dinheiro público não gera precedente porque a natureza jurídica dos contratos privados é outra.
O governador Paulo Hartung, do Espírito Santo, é economista — e dos bons. Ele escreveu artigo afirmando que os estados não têm direito em sua queixa e que a mudança infringe a regra universal de crédito. No artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, Hartung disse que entre outras consequências previsíveis está o “risco de insolvência da dívida pública”. E lembrou que 82% do abatimento dos saldos — decorrente dessa mudança na fórmula de cálculo dos juros — iria para quatro estados e justamente os mais ricos.
Hartung disse que, ao contrário do que os estados fazem crer, o processo de renegociação da dívida, feito em 1997, significou subsídio aos estados. A cobrança de juros não é, portanto, indevida e injusta, como dizem.
Por outro lado, erros do governo podem deixar os juízes da Suprema Corte com pouca margem de manobra. O governo Dilma aceitou pressão antiga dos estados para trocar o indexador e reduzir os juros. O governo fez isso, mas deixou pontas soltas. A redação da nova lei fala em juros, mas não fala que são “compostos”. Além disso, regras contratuais não foram cumpridas, como a de recontratar em seis meses a partir de agosto do ano passado. Quando chegou no prazo — final de janeiro — e o Ministério da Fazenda não havia calculado os saldos devedores nem negociado com os estados, Santa Catarina entrou no STF alegando que os juros a pagar teriam que ser simples. Concedida a liminar, vários outros conseguiram a mesma coisa.
A liminar provoca prejuízos ao erário porque os estados foram autorizados a pagar menos e ficaram protegidos de retaliação por parte do governo federal.
Reabrir a questão explosiva das dívidas dos estados com a União foi uma decisão temerária do governo Dilma. Demorar- se na burocracia de fechar novos contratos foi uma insensatez. Nos últimos meses, o governo negociou com os estados uma proposta que inclui alongamento da dívida e redução do que se tem a pagar no curto prazo. Isso virou um projeto de lei que não é votado porque a crise paralisou tudo. Amanhã, a Suprema Corte decide o mérito. “Precisamos retomar a trajetória da racionalidade”, disse Hartung no artigo. É isso.
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