Já que gosta tanto de falar em golpe para se referir ao processo de impeachment que corre contra ela, a presidente Dilma Rousseff bem que poderia prestar um mínimo de atenção ao verdadeiro golpe em marcha.
Trata-se da iniciativa do governo venezuelano de tentar derrubar a supermaioria (112 deputados em 167) eleita pela oposição no dia 6 de dezembro –e que tomam posse na próxima terça-feira, 5.
O governo, como vem relatando o excelente correspondente da Folha em Caracas, Samy Adghirni, conseguiu da Justiça a cassação de três dos deputados da oposição, em um "golpe judicial", segundo a Mesa da Unidade Democrática, o conglomerado oposicionista.
O governo brasileiro não tem o direito de ignorar que a Justiça venezuelana é mero apêndice do Executivo.
Um estudo de juristas locais, feito há um par de anos, mostrou que nenhuma iniciativa governamental foi contestada pela Justiça –recorde mundial de competência em um governo notoriamente incompetente.
É justo dizer que a presidente Dilma já interferiu na eleição venezuelana, por meio de carta em que cobrou de seu colega Nicolás Maduro que respeitasse as regras do jogo antes, durante e depois do processo eleitoral.
É o que diz, por exemplo, nota emitida por um grupo de parlamentares uruguaios que funcionaram como observadores do processo eleitoral: "Impedir a plena constituição [da Assembleia Nacional] pretende condicionar, uma vez mais, o legítimo pronunciamento eleitoral do povo venezuelano".
Como dizia nota emitida por respeitadas entidades americanas de direitos humanos, antes do pleito, as eleições teriam "o potencial de reduzir a tensão política, mas também o de exacerbá-la".
É óbvio que deturpar o resultado das urnas só pode exacerbar tensões. A nota das entidades, entre elas a brasileira Conectas e o Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina, acrescenta que "há muito em jogo para a Venezuela e para a região".
É do interesse do Brasil, portanto, impedir que o "golpe judicial" em andamento exacerbe a tensão política, até porque tem experiência própria em verificar como crises políticas agravam dificuldades econômicas.
O governo brasileiro já emitiu nota oficial, antes da eleição, em que "ressalta a importância do pleno respeito à vontade popular expressa nas urnas". Não seria, portanto, nenhuma violência repetir a sensata observação.
Se quisesse ser um pouco mais ativa, a diplomacia brasileira poderia lembrar que a cassação dos três deputados oposicionistas não é exatamente a prioridade número 1 da Venezuela, afogada numa crise que torna folgada a situação do Brasil.
Não custa lembrar que a inflação é a mais alta do mundo, que falta quase tudo no comércio, que as mortes violentas (27.875 em 2015) elevaram a taxa de homicídios para 90 por 100 mil habitantes, das mais altas do mundo.
Contra tudo isso é que o eleitorado deu ampla vitória à oposição. Desconhecê-la é fechar os olhos à realidade.
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