“O ano de 2015 chegou ao final e a virada do calendário nos faz reavaliar expectativas e planejar novas etapas e desafios. Assim, como sempre, nos traz a necessidade de refletir sobre erros e acertos de nossas decisões e atitudes.” É inacreditável que a presidente da República tenha tido o caradurismo de, em artigo publicado na Folha de S.Paulo no primeiro dia do ano, afirmar que, “como sempre”, está disposta a refletir sobre “erros e acertos” de suas “decisões e atitudes”. Esse aparente ato de humildade, que se esgota no segundo parágrafo – “vejo que nossos erros e acertos devem ser tratados com humildade e perspectiva histórica” –, é apenas uma tentativa de dissimular o exercício de soberba que impregna todo o texto.
Dilma Rousseff rompeu a tradição dos pronunciamentos presidenciais de saudação à Nação na virada do ano. Para evitar os panelaços que acompanhavam suas falas em rede nacional de rádio e de TV, manifestou-se – o verbo comunicar seria inadequado e impreciso – por meio de redes sociais, na passagem de 2014 para 2015. Neste fim de ano, limitou-se à publicação do artigo e de uma mensagem no Twitter.
Para refletir sobre erros cometidos é preciso, antes de mais nada, que se admita sua existência. Mas a autocrítica não é da natureza de Dilma. O que ela faz é uma tortuosa tentativa de transferir responsabilidades sobre o desastre a que a economia brasileira foi levada e de alinhavar promessas que insultam o discernimento dos cidadãos.
Assim, tratar erros e acertos “com humildade e perspectiva histórica” para Dilma é responsabilizar pela crise brasileira “fatores internacionais que reduziram nossa atividade produtiva”, com “queda vertiginosa do valor de nossos principais produtos de exportação, desaceleração de economias estratégicas para o Brasil e a adaptação a um novo patamar cambial, com suas evidentes pressões inflacionárias”. Ou seja, a culpa é do mercado internacional.
Cabe, porém, perguntar: não é função do governo, numa economia globalizada, prever e administrar os impactos internacionais sobre a economia interna? Quase todos os governos de países emergentes como o Brasil, tão sujeitos quanto o nosso a influências externas, lograram administrar com maior competência as flutuações da economia internacional. Mas tais governos não tinham, como o de Dilma, certezas absolutas no poder do Estado e na retidão da ideologia que o põe sobre altares.
É claro que as agruras da economia são consequência também de outro fator, este de natureza interna: a crise política. Dilma tem explicação para isso: “Tivemos também a instabilidade política que se aprofundou por uma conduta muitas vezes imatura de setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas”. Em primeiro lugar, quem não está nada satisfeito com o “resultado das urnas” são 2 em cada 3 brasileiros, que querem ver Dilma pelas costas. Este governo só é aprovado por 1 em cada 10 cidadãos.
Por outro lado, a crise política se agravou, e não parou de piorar, quando o governo petista decidiu que podia prescindir da ampla base aliada construída por um peculiar “presidencialismo de coalizão” – que Lula preferia chamar de “toma lá dá cá” – e tentou “cortar as asas” logo de seu maior e mais importante aliado, o PMDB. O que é que a oposição teve a ver com essa manobra desastrada, politicamente fatal, ditada pela prepotência de Dilma?
Ainda na área política, a presidente garante que persistirá na busca dos “necessários ajustes orçamentários, vitais para o equilíbrio fiscal”. Resta saber se PT, CUT, MST, UNE, etc., estão de acordo com isso.
É, porém, nas avaliações otimistas e nas promessas mirabolantes que o artigo de Dilma se supera. Por exemplo: “O investimento direto estrangeiro na casa de US$ 66 bilhões demonstra a confiança dos investidores no nosso país”. E as agências internacionais de classificação de risco que se conformem com isso, porque a presidente da República informa, em tom triunfante: “É hora de viabilizar o crescimento”. Muita gente diria que já passou da hora. Mas antes tarde do que nunca e, afinal, Dilma garante: “Teremos um 2016 melhor”. Amém.
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