ESTADÃO - 11/01
A presidente Dilma Rousseff não deixa dúvidas quanto à rota que deseja impor ao País. Ela quer a manutenção da impunidade. A Medida Provisória (MP) 703, de 18 de dezembro de 2015, altera importantes regras relativas ao acordo de leniência, com o declarado intuito de permitir que as empresas investigadas por atos de corrupção continuem a negociar com o poder público como se nada de errado tivesse acontecido. Sem qualquer pudor, a presidente empenha-se em reduzir os efeitos positivos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e oferece uma generosa oportunidade às empresas que transitam no ilícito.
A questão é simples. A presidente Dilma Rousseff não concorda com a principal novidade trazida pela Lei Anticorrupção – a responsabilização objetiva das empresas – e usa o poder de editar medidas provisórias para abrandar suas consequências. A manobra encontrada para realizar esse espúrio desejo foi desvirtuar o acordo de leniência, transformando-o num simples meio para livrar as empresas das sanções pelos atos de corrupção.
Com a MP 703, será possível uma empresa celebrar acordo de leniência – e assim se livrar das penalidades pelos eventuais ilícitos praticados – sem revelar às autoridades qualquer fato novo. Bastaria uma promessa genérica de não delinquir no futuro para obter o bloqueio das investigações e processos em curso. Assim, o acordo de leniência perde um de seus propósitos originais, de ser um meio para obter novas informações sobre irregularidades.
A MP 703 ainda exclui a regra de que o acordo de leniência poderá ser feito apenas com a primeira empresa a se manifestar sobre o ato ilícito (art. 16, § 1º, I) – importante condição para obter informações com celeridade.
Não sem razão, o Ministério Público Federal mostrou-se preocupado com o teor da MP 703. “É um retrocesso evidente. Infelizmente, o governo federal, com a edição dessa medida provisória, introduziu um risco moral, pois, além de desincentivar o cumprimento da legislação com a mitigação da ameaça de aplicação imediata de sanções de inidoneidade, também deixou claro que não é do interesse do governo que o combate à corrupção avance sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária”, afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, em entrevista ao jornal Valor. Segundo Lima, a mensagem aos agentes econômicos é clara: “Caso necessário, ao invés de cumprir a lei, o governo federal fará tantas mudanças legislativas quanto necessárias para manter tudo como dantes”.
Também receoso quanto aos efeitos da MP 703, o Ministério Público de Contas apresentou uma recomendação ao Tribunal de Contas da União (TCU), com pedido de medida cautelar, em relação à medida presidencial. Segundo o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, com a MP 703, há risco de interferência indevida do Poder Executivo no controle externo realizado pelo TCU.
Diante dessas reações, o governo federal esquivou-se, negando a realidade. “Essa MP não é um produto do governo federal”, afirmou o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É, no mínimo, cínica tal resposta, partindo de quem assinou juntamente com a presidente a medida. A defesa jurídica da MP por parte de Adams consistiu em dizer: “Acho que existem profetas do caos que criticam essa medida”.
“O propósito maior (da MP 703) é diminuir a incerteza e preservar empregos”, afirmou Dilma Rousseff na edição da medida. Tem razão, em parte, a presidente. A MP 703 recupera em boa medida a infeliz certeza da impunidade das empresas que há muito se acostumaram a operar de forma ilícita com o poder público. Tudo ficará como sempre foi – é o recado que a presidente se esforça em transmitir. Quanto ao argumento da preservação de empregos à custa de não punir ilícitos, trata-se de retumbante hipocrisia. Não é desenvolvimento econômico tendo por base a corrupção e a bandalheira que o Brasil deseja e espera. Cabe ao Congresso preservar a Lei Anticorrupção e rejeitar a MP da impunidade.
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