O Estado de S. Paulo - 12/01
A hora da verdade está se aproximando no conturbado cenário político venezuelano. Anos de desgoverno resultaram em crescente violência, inflação galopante, escassez de alimentos e um crescimento negativo quase três vezes maior que o do Brasil. Por tudo isso, nas eleições parlamentares de dezembro passado o governo de Nicolás Maduro sofreu a pior derrota dos últimos 17 anos de populismo bolivariano, com a oposição conseguindo ampla maioria qualificada ao eleger 112 dos 167 parlamentares. Heinz Dieterich, ideólogo do socialismo do século 21, fundado por Hugo Chávez, prevê que 2016 será o ano da batalha final entre o governo de Caracas e a oposição ao regime.
Apesar de declarações iniciais conciliadoras, misturadas com a condenação da “circunstancial perda para a contrarrevolução de direita que tenta sabotar a Venezuela e desestabilizar o governo”, Maduro está tentando perpetuar o seu controle sobre a estrutura do Estado por meio de uma Blitzkrieg institucional preventiva. Ao tomar uma série de medidas antidemocráticas que fraudam o resultado eleitoral, o governo indicou claramente que não quer dialogar, mas, sim, confrontar a oposição para manter o poder a qualquer preço.
- O Tribunal Superior de Justiça (TSJ) decretou a impugnação de três parlamentares oposicionistas, fazendo com que desapareça a maioria de três quintos que daria amplos poderes à Assembleia Nacional. Apesar da decisão do TSJ, os três assumiram seus mandatos e Maduro pediu ao tribunal a anulação de todas as decisões da Assembleia, criando um sério conflito institucional.
- 13 dos 32 magistrados do TSJ foram substituídos para reforçar a influência do Poder Executivo sobre o Judiciário.
- O governo criou um parlamento comunal paralelo para esvaziar a Assembleia Nacional.
- Antes do fim de seu mandato, o Congresso aprovou orçamento que favorece os seus aliados.
- Legislação que proíbe a demissão de funcionários das empresas públicas foi estendida pelo Executivo até 2018, retirando esse poder da Assembleia Nacional.
- Maduro retirou a atribuição da Assembleia Nacional de aprovar a diretoria do Banco Central.
- Nicolás Maduro declarou que não respeitará decisão do Congresso de anistiar os presos políticos.
Essas medidas, que claramente desrespeitam os mais comezinhos princípios democráticos, foram tomadas antes e na primeira semana depois da posse dos congressistas da Assembleia Nacional. Está instaurada uma dura luta de poder entre instituições que deveriam ser independentes e harmônicas. As Forças Armadas terão papel decisivo na “batalha final”, nos próximos meses.
A reação interna foi imediata. O cardeal de Caracas pediu que o governo respeite o resultado eleitoral. A ONU, a Unasul e a União Europeia estão sendo acionadas para fazer com que o governo não frustre a vontade do povo venezuelano. Enquanto isso, no âmbito do Mercosul, o Brasil teria impedido referências negativas à Venezuela no comunicado final da última reunião e apoiou apenas uma declaração com o compromisso de respeito à democracia e aos direitos humanos. A Argentina criticou a prisão de presos políticos pelo regime bolivariano.
O Brasil tem todo o interesse em ajudar a Venezuela, para evitar que a disputa política degenere em ainda maior colapso da economia, desordem e violência, prejudicando não só o país, como criando problemas para as nações fronteiriças.
O governo brasileiro, em seu nível mais alto, há 13 anos sempre declarou que há “excesso de democracia” na Venezuela. Nos últimos meses, sem reação alguma de Brasília, um grupo de senadores brasileiros foi impedido de deixar o aeroporto de Caracas para evitar que mantivesse encontros com o governo e com a oposição; e o ministro Nelson Jobim foi vetado pelo governo venezuelano ao ser designado pelo Tribunal Superior Eleitoral para chefiar missão da Unasul que iria monitorar a eleição parlamentar de dezembro.
Em ajuda a Maduro, antes das eleições parlamentares, Dilma Rousseff enviou carta que, segundo se informa, pediria moderação e respeito aos resultados das urnas. Agora se anuncia o envio de emissário, provavelmente Marco Aurélio Garcia, para uma conversa “franca e definitiva, mas discreta”. O que pode significar “definitiva”?
Em aparente sinal de que a posição compreensiva do governo brasileiro estaria finalmente mudando, o Itamaraty emitiu uma segunda nota (depois de comentário positivo sobre a maneira como transcorreu a eleição e a expectativa de que seu resultado fosse acatado), na qual o governo brasileiro manifestou confiança em que a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas, seja plenamente respeitada. A nota acrescenta, igualmente, a confiança em que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito. De maneira firme, conclui que não há lugar na América do Sul do século 21 para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito.
Embora demorada, essa nova postura diplomática, mesmo que inspirada talvez na situação política daqui e na ameaça de impeachment, foi positiva e deve ser apoiada – assim como a decisão de não concessão do agrément ao embaixador de Israel.
Se a nota do Itamaraty manifesta de fato uma mudança de política em relação a Venezuela, o Brasil não poderá mais omitir-se em face do que está ocorrendo na cena política venezuelana e medidas concretas deverão ser propostas, sob pena de aumentar o desgaste e a perda da credibilidade da política externa. O Brasil não pode esperar pela Argentina para invocar a cláusula democrática do Mercosul caso a soberania da Assembleia Nacional continue a ser violentada.
*RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP
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