Os governantes e os políticos estão mobilizados por questões sérias, mas passageiras, enquanto o que é permanente e mais grave está deixado de lado. O país vive uma emergência na saúde que deixará sequelas. O clima entre Dilma e Michel Temer, as brigas no plenário, o impeachment, a recessão, tudo passará, mas não os efeitos da microcefalia nas suas vítimas.
O Brasil vive um momento trágico em que há conflitos e confusões em várias áreas, mas existe um problema que é o mais grave de todos. Brasileiros recém-nascidos, e ainda por nascer, estão sendo ameaçados e atingidos numa proporção alarmante. O número de vítimas cresceu quase cinco vezes em um mês, o problema está saltando de forma assustadora na nossa frente, e o país se deixa tomar pela confusão política e pela infelicidade econômica. Tudo isso pode ser resolvido nos próximos meses e anos. Uma criança que nasce com microcefalia tem seu destino alterado, e sua vida, talvez, encurtada.
Há esforços do setor público, das secretarias estaduais, de funcionários dedicados, de médicos, mas é pouco. Tem que ser um mutirão nacional, tem que ser decretado estado de emergência na saúde pública. Há fatos estarrecedores, como faltar larvicida para o Nordeste. Como o país pode tolerar uma falha assim numa hora dessas?
O Brasil vive vários dilemas. O mandato da presidente vai ser encurtado ou não? Ela incorreu em crime de responsabilidade? O que fazer para que a recessão não se transforme numa depressão? A inflação chegou ao temido dois dígitos. Tudo isso merece atenção. Mas há um problema dilacerante: o nascimento de crianças com má formação do cérebro pela picada de um mosquito. A nossa guerra total deve ser ao mosquito que transmite três doenças que matam e que, agora se sabe, uma delas ataca o cérebro do bebê no útero de sua mãe.
Não nos faltam aflições neste ano difícil. A morte de jovens pela violência, a crise na educação, o desemprego crescendo, um rio em coma pelo crime cometido por mineradoras. Tantos problemas que falta espaço na agenda. Mas, de alguma forma, temos que aumentar os esforços na luta contra a microcefalia, na qual devem ser superadas as fraturas políticas, por mais profundas que sejam, porque o que for perdido hoje não será remediado amanhã.
Essas crianças e suas famílias carregarão, solitárias, o peso da nossa incompetência como país por anos a fio. Quando todos pararmos de falar do assunto, as famílias permanecerão sofrendo. Estamos tirando chance do futuro ao deixar, por desleixo, que um mosquito, que prolifera na falta de saneamento, atinja e fira irreversivelmente nossos bebês.
O ano de 2015 será lembrado com tristeza e seu fim será um alívio. Erros cometidos pelo governo em anos anteriores cobraram pesadamente a conta. O país mergulhou numa recessão, e a feia palavra “depressão” já está nos cenários. A inflação chegou à casa dos dois dígitos. A indústria despencou e só em São Paulo acumula mais de 10% de encolhimento. O desemprego tem subido mesmo nos meses em que sazonalmente ele dá uma trégua. Não são boas as perspectivas para 2016 na economia. Os economistas já preveem uma nova recessão forte e será a primeira vez desde 1930 que o país terá duas quedas seguidas. A inflação permanecerá acima do teto da meta. Resultado da barbeiragem do governo e dos erros na condução da política econômica.
A política está tão conflagrada que houve um momento na terça-feira que parecia um caso de loucura coletiva. Todos contra todos, os deputados batendo cabeça, e os governistas quebrando cabines de votação dentro do plenário. Os governistas falam em golpe, os oposicionistas falam em crime. O governo tem apenas um fiapo de apoio na opinião pública. O Planalto continua errando. O PMDB trocou um mau líder por outro igualmente ruim.
Tudo isso é grave, mas podemos resolver. Precisaremos de tempo, recorreremos às instituições democráticas, apostaremos na resiliência da economia. Há algo, contudo, que não poderemos salvar por mais que o tempo passe: as vítimas da microcefalia. A hora de agir é agora.
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