O Estado de S. Paulo - 10/12
A economia brasileira vive um dos mais difíceis momentos dos últimos tempos. Poucos analistas duvidam de que a recessão atual será profunda e das mais longas. O desemprego e as perdas salariais já se alastram no País e não há, ainda, uma saída clara à vista.
Cresce a percepção de que o problema fiscal está no coração da crise atual. Por isso, o ajuste das contas públicas precisaria ser forte, rápido e vir acompanhado de reformas que, mesmo com demora, trouxessem resultados duradouros e capazes de ajustar o tamanho da inserção do Estado às possibilidades da economia.
Enquanto isso, o atual governo, após o experimento Levy claudicar, nem consegue aprovar, no devido tempo, a emenda de renovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU). A DRU é um mecanismo crucial de flexibilização do orçamento público, que resultou de uma sugestão minha e deveria, inclusive, ser estendida a Estados e municípios.
Para engrossar o caldo surge agora, pelas mãos do polêmico presidente da Câmara, a perspectiva concreta de impeachment, trazendo volatilidade ainda maior na economia, mas abrindo uma nova perspectiva de encaminhamento de soluções. Daí as comparações do momento atual com a transição Collor-Itamar Franco/FHC.
É complicado comparar com o passado, mas em pelo menos um aspecto é importante fazer esse tipo de cotejamento. A grande lição da transição Collor/Itamar-FHC foi mostrar que, em momentos muito difíceis e de ônus elevado para a população, mesmo em regimes rígidos como o nosso, no final as sociedades terminam pressionando as lideranças políticas por um novo projeto de poder que tenha a solução da crise econômica como carro-chefe. Isso ocorrerá de uma maneira ou de outra e no seu devido tempo. O problema lá atrás era aplicar um golpe fulminante na hiperinflação. Hoje, com a hiperinflação apenas ameaçando voltar, cabe retomar a confiança dos investidores tanto nas aplicações em títulos públicos quanto no lado real da economia.
No passado, Itamar nomeou três ministros da Fazenda que, sem condições para enfrentar a difícil tarefa, duraram pouco. Já sob o quarto titular da pasta, FHC, a saída vitoriosa foi a formulação do Plano Real, amparado na emenda constitucional de criação do Fundo Social de Emergência, que, na sua conformação atual (DRU), precisa ser prorrogado por nova emenda, mas o governo atual não consegue fazer isso acontecer. Esse mecanismo de flexibilização do orçamento público resultou de sugestão que dei à época, como observador, ao então ministro, com vistas a estabelecer uma base fiscal mais sólida em suporte a mais uma tentativa de desindexação brusca da economia. Político hábil e muito preparado, FHC foi, assim, a sorte grande de Itamar. Como poucos, foi capaz de reunir equipes e colaboradores a distância para liderar a salvação do País. Em que pesem naturais percalços, o rápido sucesso do Plano Real garantiu a aprovação de mudanças estruturais importantes e dois mandatos seguidos a uma candidatura presidencial de difícil viabilização em épocas de paz. Esse foi o novo (e bem-sucedido) projeto de poder abraçado à época pelos principais partidos políticos, exceto, naturalmente, o PT e outros de oposição.
Desta vez, menos mal que não tenhamos a velha hiperinflação de volta. Mas isso significa dizer que o antigo problema fiscal terá de ser escancarado e enfrentado para valer. Não estará mais escondido por trás da inflação e, assim, a cirurgia explícita não mais poderá ser evitada, doa a quem doer. É difícil de imaginar como o atual governo, após tantos erros, seria capaz de liderar esse processo.
Na outra hipótese cogitada, Temer terá de buscar no Congresso um(a) ministro(a) da Fazenda que desempenhe o mesmo papel de FHC com Itamar. Além de experiente em cargos públicos relevantes, deve conhecer a questão fiscal profundamente, ter alta respeitabilidade e, finalmente, ser visto pela população como alguém capaz de desempenhar a difícil tarefa aqui sugerida. Por analogia, se acertar, poderá se tornar o novo líder político da Nação.
* Raul Velloso é consultor econômico
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