O GLOBO - 12/10
O sistema judiciário do país produz uma distorção: ou prende por atacado, muitas vezes com um rigor que poderia dar lugar à aplicação de penas alternativas — até mesmo para enfrentar o terrível drama da superpopulação carcerária —, ou, leniente, deixa de recolher à prisão quem, pela gravidade do crime cometido, deveria de fato ser punido com a privação da liberdade.
No primeiro caso, são incontáveis os exemplos de autores de crimes de menor impacto na sociedade, réus sem contumácia criminal, levados a cumprir penas em presídios ao lado de criminosos de alta periculosidade — quase um desvirtuamento do princípio penitenciário correcional. Já o segundo caso alimenta a impunidade, graças a um sistema que, abrindo brechas para intermináveis recursos e outras chicanas que saem do arsenal de bons (e caros) advogados, torna-se na prática um anteparo contra a punição, quando nada, um instrumento para adiar, muitas vezes até o limite da prescrição, o cumprimento efetivo de penas de prisão.
Ao passo que o excesso, mesmo errado, de alguma forma pune, a omissão é a negação total da Justiça. O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde tramitam os processos da Lava-Jato, tem se batido nessa questão da impunidade com a autoridade de quem conseguiu prender cabeças coroadas da política e empresários, envolvidos em casos de corrupção no petrolão — personagens até bem pouco tempo atrás fora do alcance da Lei. Em artigo no GLOBO, semana passada, quando voltou a defender a prisão de réus de crimes graves (corrupção, entre outros) já a partir da sentença proferida por um tribunal de apelação, acentuou: “Reclama-se, é certo, de um excesso de punição diante de uma população carcerária significativa, mas os números não devem iludir, pois lá não estão os criminosos poderosos. Para estes, o sistema de Justiça criminal é extremamente ineficiente”.
Essa é a essência de um projeto de lei (402/2015) que a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) apresentou recentemente ao Senado, com o objetivo de estreitar as brechas que levam à inimputabilidade de fato.
A proposta prevê a prisão do réu já a partir da condenação em segunda instância, sem prejuízo, por óbvio, da interposição de recursos até o trânsito em julgado, garantia constitucional do estado de direito. Cortam-se, assim,os caminhos da impunidade. É um princípio aplicado com êxito na Lei da Ficha Limpa, pela qual veda-se o registro de candidaturas a políticos condenados por câmaras colegiadas, igualmente assegurado o direito de defesa.
Objetivo semelhante está contemplado em proposta de emenda constitucional (15/2011) patrocinada pelo ex-presidente do Supremo Cezar Peluso, bem como em documento do MP Federal. São proposições que não ferem a pétrea presunção da inocência, pois asseguram a ampla defesa do réu, e, ao mesmo tempo, dotam o Judiciário de um instrumento de agilização dos trâmites processuais para se contrapor à impunidade — esta, sim, a negação da Justiça.
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