sábado, junho 06, 2015

Reforma federativa urgente - NELSON PAES LEME

O GLOBO - 06/06

De nada adianta a discussão sobre voto distrital se, no Brasil, do ponto de vista da estrutura federativa constitucional originária, o distrito em si simplesmente inexiste

 
No momento em que o Congresso rechaça a proposta do vice-presidente da República que ressuscitava o distritão como fórmula conciliadora entre o voto distrital propugnado pelo senador José Serra e o nosso atual e absurdo sistema proporcional, vale a reflexão sobre alguns impasses insuperáveis nessa discussão quanto à verdadeira esquizofrenia da nossa organização federativa. A divisão territorial do Brasil, em face do sistema federativo vigente, é sério obstáculo para uma reforma política do Estado realmente abrangente e eficiente. Era a tese do maior especialista em direito municipal do Brasil, o saudoso professor mineiro José Nilo de Castro, em seu pós-doutorado na Sorbonne. Temos municípios de mil almas e outros de milhões de habitantes com as mesmas leis infraconstitucionais político-administrativas e tributárias a regê-los como se fossem entes idênticos.

Acresçam-se a isso as disparidades demográficas, com gigantescas megalópoles superpopuladas no Centro-Sul, contrastando com esparsos núcleos populacionais no Centro-Norte, e temos aí mais um ingrediente de uma política totalmente distorcida, a exigir reformas de base em seu arcabouço constitucional. Portugal cabe duas vezes dentro do gigantesco município de Altamira, no Pará, para se ter ideia. E enquanto Roraima tem apenas 15 municípios, Minas Gerais tem mais de 850 dos mais de 5.500 espalhados dessa forma desproporcional Brasil afora. Nosso primeiro desafio, portanto, é a criação de um distrito federado padrão, minimamente administrável, com autonomia político-representativa e articulado com os demais entes federados: União, estados e com os próprios municípios. Precisamos urgentemente repensar a nossa Federação.

Esse é o primeiro grande obstáculo a vencer para partir para o segundo: a implantação do voto distrital misto em universo demográfico tão irregular num país de dimensões continentais. De nada adianta a discussão sobre o voto distrital em si se, no Brasil, do ponto de vista de sua estrutura federativa constitucional originária, o distrito em si simplesmente inexiste. Ora, como implantar o voto distrital, quer puro ou misto, onde não há o distrito, ele mesmo, como ente mínimo federado e o que existe são municípios cada vez mais inviáveis administrativamente, de populações e áreas totalmente díspares e imprevisíveis? Quantos distritos do tamanho do menor município do Brasil, Serra da Saudade, em Minas Gerais, com menos de mil habitantes, caberiam, por exemplo, dentro do mais populoso, São Paulo, com 11 milhões de pessoas?

A mera subdivisão em regiões administrativas, como já se tem ensaiado sem sucesso, nos grandes centros urbanos, também não resolve esse problema de fundo que se procura contornar com inúteis remendos. Isso porque a falta de autonomia e a inexpressividade real desses retalhos improvisados nos gabinetes, pouca ou quase nenhuma eficiência política lhes traz, por falta de legitimidade e representatividade. 


De outro lado, a reforma federativa presume um novo pacto. A própria origem semântica do verbete federativo vem de foedus, que, em latim, significa pacto, aliança. E, nesse sentido, a intangibilidade do pacto constitucional pétreo firmado e consubstanciado no parágrafo quarto do artigo 60 de nossa Carta Magna não proíbe ou exclui, absolutamente, seu aperfeiçoamento, como aqui proposto, por emenda constitucional. Todas as instâncias de participação popular, nesta fase, devem ser bem recebidas a se engajar nessa inadiável discussão sobre a revisão da nossa estrutura federativa como ponto de partida para a recepção do voto distrital em nível nacional, de preferência misto.

Os demais itens da reforma política, tais como o financiamento público ou privado de campanhas; a propaganda (gratuita para os políticos mas paga por nossos impostos); coligações; exacerbado e descontrolado pluripartidarismo; tempo de propaganda; limites éticos dos discursos e da publicidade; a cláusula de barreira; o voto de legenda; as odiosas imunidades parlamentares; e tantos e tantos outros temas candentes devem se submeter a essa prioridade.A parte menos trabalhosa é a implantação do voto distrital em si. Não há falta de modelos e subsídios teóricos. Há mesmo um site especializado (www.euvotodistrital.org.br), dedicado exclusivamente ao tema. Não será difícil, portanto, chegar-se a um consenso no Congresso e na academia.
autorização.

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