O GLOBO - 10/06
O país precisa muito de investimentos, não apenas para sair da recessão de 2015, mas para atender ao aumento de demanda de transporte de passageiros e cargas. O problema é a maneira como o governo anuncia, que torna qualquer plano pouco crível: não se sabe as regras das concessões; o maior projeto, a ferrovia bioceânica, é uma miragem; algumas obras estão sendo apenas reempacotadas.
O ministro Nelson Barbosa rebate o ceticismo que cerca qualquer plano do atual governo, explicando a lógica do programa anunciado ontem: - Só colocamos rodovias que já tínhamos demonstrações concretas de interesse do setor privado. Fomos muito conservadores em incluir os investimentos que ocorrerão no atual mandato. Queremos criar rodadas. Agora, serão concedidos os de projeto já pronto, e depois faremos os estudos para a rodada de 2016, e assim por diante. Incluímos apenas alguns dos aeroportos que podem ser concedidos.
Serão R$ 200 bilhões diluídos em muitos anos. No governo Dilma, serão R$ 69 bilhões, o que é cerca de 1,25% do PIB até o final do mandato. O plano todo corresponde a 3,5% do PIB. Como se sabe, nos anúncios do governo nos últimos anos há uma enorme distância entre o que é dito e o que é feito.
Contudo, há avanços. O BNDES tentará outra forma de atuação que empurrará as empresas para buscar parte do financiamento no setor privado, através do lançamento de debêntures. O modelo no caso das ferrovias não repete certas sandices do primeiro programa de logística. Em 2012, o governo criou uma estatal, a Empresa de Planejamento e Logística ( EPL), que supostamente iria passar a planejar os transportes de forma integrada no país. Hoje, ela está sem função, mas com funcionários. O plano também estabelecia que toda a oferta de transporte das ferrovias seria comprada por outra estatal, a Valec. Isso transformaria a empresa num centro de prejuízo. Em outros planos de concessão, o governo tabelou o retorno em nível tão baixo que afastou investidores. Além disso, algumas ideias aplicadas com êxito no governo Fernando Henrique estão sendo adotadas. Em resumo, a melhor notícia é que o governo está abandonando suas próprias ideias.
Mesmo assim, continuaram os ilusionismos. A ferrovia entre Brasil e Peru, por exemplo, foi anunciada como projeto concreto. Tudo o que há é apenas uma ideia. Se ela é viável ou não, dependerá de um estudo de viabilidade que pode vir a ser financiado pela China. Diante disso, como estabelecer que ela representará investimentos de R$ 40 bilhões? O professor Paulo Fernando Fleury disse que essa ferrovia é outro trem- bala, destinada a ser discutida e abandonada. Segundo o ministro Nelson Barbosa, foi feita uma estimativa do custo médio do quilômetro: - É um valor indicativo que será corrigido depois que o estudo ficar pronto em maio de 2016. Mas não é como o trem- bala, porque cada trecho tem viabilidade em si, e pode ser construído por etapas.
O que poderá se tornar realidade mais rapidamente são os novos investimentos em concessões existentes. Alguns dos projetos exigirão revisão de contratos, e outros, até a renovação das concessões. O ministro Nelson Barbosa teve conversas, nos últimos meses, com as empresas concessionárias que estão dispostas a tocar essas novas obras e, nesse ponto, o plano de ontem é realista.
O economista Álvaro Bandeira lembra que o mais importante em algumas das novas concessões é o edital. Só então se saberá exatamente que critérios o governo usará e se as condições atrairão ou não o setor privado. Haverá dificuldades de financiamento por causa da alta dos juros e da escassez de recursos nos bancos públicos e privados para investimento de longo prazo. Há menos espaço para que os fundos de pensão entrem como garantia nos consórcios e algumas das grandes empreiteiras estarão fora do fogo por problemas financeiros.
Nada será fácil, mas se o governo for mais realista será possível tirar do papel parte do que foi anunciado ontem. Não será o suficiente para uma arrancada de desenvolvimento, nem será o maior plano logístico da história do Brasil, como anunciou o ministro da Comunicação. Mas tem mais chance de dar certo do que o último plano de logística anunciado com fanfarras em 2012 e que virou poeira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário