O Estado de S. Paulo - 03/06
Qual o futuro dos alimentos orgânicos? A pergunta, que corre o mundo, buscará resposta no Fórum Internacional de Agricultura Orgânica e Sustentável, a ser realizado nestes dias em São Paulo. Um choque de capitalismo, defendem uns; uma sociedade alternativa, querem outros. Razão e emoção.
A agricultura “orgânica” surgiu há um século, das observações de sir Albert Howard sobre os métodos indianos de produção rural. Ela exclui o uso de produtos químicos sintéticos, como agrotóxicos e fertilizantes, valorizando o húmus do solo. Sua vertente francesa é a agricultura “biológica”; na Alemanha, a “biodinâmica”. No Japão, mais tarde, apareceu a agricultura “natural”. Assemelhadas, todas nasceram com certa mística: filosófica, religiosa ou ideológica.
Espalharam-se. Segundo a International Federation of Organic Agriculture Movements, existem (2011) no mundo 1,8 milhão de agricultores orgânicos, produzindo sobre 37 milhões de hectares de terras, em 162 países. A Austrália apresenta a maior área (12 milhões de ha, basicamente pastagens naturais), seguida pela Argentina (3,8 milhões de ha) e pelos Estados Unidos (1,9 milhões de ha). Mas é a Índia que tem o maior número de produtores orgânicos (547.591).
O volume de negócios tem crescido no mercado mundial, atingindo U$ 62,9 bilhões (2012). Lideram o consumo os Estados Unidos, seguidos de Alemanha e França. Em termos per capita, quem mais consome alimentos orgânicos são Suíça e Dinamarca. Frutas e vegetais, cereais, soja, açúcar, café, mel, leite, há muitos gêneros tradicionais nas prateleiras de consumo orgânico. Recentemente, avança o ramo dos alimentos industrializados, como barrinhas de cereais, doces, sucos variados e até salgadinhos. Existe claramente uma tendência global a favor dos alimentos livres de agrotóxicos.
E no Brasil? Por aqui também se verifica crescimento na produção de orgânicos. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento mostram que a quantidade de agricultores orgânicos aumentou 51% no último ano, somando agora 10.194 produtores rurais. A área total de produção orgânica no País atinge 750 mil ha, destacando-se o Sudeste (44%), seguido das Regiões Norte (21%), Nordeste (16%), Centro-Oeste (14%) e Sul (5%). Números animadores.
As estatísticas oficiais puseram ordem no real tamanho da equação. Qualquer pesquisa na internet apontará um número mágico de 6,5 milhões de hectares ocupados com orgânicos no Brasil. Mas não é bem assim. Nessa grandiosa área estava incluído o extrativismo, enormes extensões onde se explora castanha-do-pará, açaí, borracha e outros gêneros florestais. Ou seja, a verdadeira produção orgânica estava superestimada pela mera coleta na Amazônia. Pouco científico.
Outra deformação, porém, surgiu agora. A legislação nacional passou a permitir que grupos de pequenos agricultores, familiares, se caracterizem como “orgânicos” desde que se agrupem por meio de uma Organização de Controle Social (OCS). Essa entidade só pode realizar a venda direta ao consumidor, em feiras livres, por exemplo. Promovida pelo governo, tal caminho dispensa a certificação, efetuada por empresas sérias, auditadas pelo Inmetro. A qualidade da produção orgânica nas OCSs fica, portanto, atestada pelos próprios agricultores. Discutível.
Centenas de projetos de agricultura “alternativa” assim se espalharam nos assentamentos de reforma agrária, especialmente no Nordeste. Acontece que criar um grupo desses, chamados de “agroecológicos”, é caminho certo para a obtenção de verbas públicas. Para facilitar, o governo federal passou a aceitar esses “orgânicos” nos programas de compras institucionais (merenda escolar, por exemplo). Resultado: essa fatia da produção sob “controle social” está se expandindo, o que explica o aumento do número de agricultores orgânicos no Brasil. Por isso a grande maioria deles (40%) se encontra no Nordeste. Entendeu?
Não está errado permitir que assentados de reforma agrária tenham a oportunidade de, via produção orgânica, encontrar um nicho de mercado que bem os remunere. Estranho é notar a contaminação ideológica desse processo. Para entrar na jogada é preciso haver uma conversão política à esquerda. Ou seja, para praticar a agroecologia, seja lá o que isso signifique, tem-se exigido uma posição anticapitalista. Aqui mora o dilema dos orgânicos: será seu modo de produção um caminho para superar o capitalismo?
Possivelmente não. O preço mais elevado dos alimentos orgânicos indica serem de alta renda seus consumidores. Ecologicamente conscientes, eles topam pagar mais caro para satisfazerem sua preferência. Nenhum germe da revolução mora esse mercado de elite. No elo da produção, tampouco. Regra geral os agricultores orgânicos, em todo o mundo, cultivam um modo de vida alternativo ao da sociedade consumista. Defendem, sim, a economia verde. Mas jamais pensaram em se organizar para combater a economia de mercado. Afinal, dela vivem.
Já os ramos intermediários de processamento e comercialização estão investindo fortemente na linha de orgânicos pensando, simplesmente, em elevar seus lucros. Por isso direcionam seu comércio para os bairros ditos mais nobres. Grandes redes de supermercados esfolam os produtores orgânicos para aumentar suas margens de venda. Falar em anticapitalismo nesse meio parece piada.
Só resta um caminho aos produtores orgânicos: investir em tecnologia, ganhar produtividade e elevar a qualidade. Agricultura orgânica não pode ser sinônimo de agricultura de baixo nível. Ao contrário, ela tem que se mostrar superior. Não na ideologia. Na ciência.
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