sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Os fatos já começam a atropelar as metas - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 06/02


A cada dia que passa ficam mais incertas as condições de cumprimento das duas principais metas econômicas: o superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e a inflação em 4,5% em 2016. Os fatos estão atropelando os prognósticos.

Quando Joaquim Levy, ministro da Fazenda, estabeleceu a meta fiscal, no fim do ano passado, não tinha conhecimento integral das "pedaladas" de Arno Augustin no Tesouro Nacional. Além do resultado de 2014 ter sido muito pior do que se imaginava, novas descobertas foram ocorrendo ao longo do mês de janeiro. O Tesouro não estava pagando em dia nem mesmo os professores do Pronatec.

O Banco Central também está sendo surpreendido com a magnitude dos aumentos de preços administrados. Começou prevendo reajuste de 17% nas tarifas de energia elétrica. Revisou para 27,6%, mas as indicações já estão para algo na casa dos 40%.

As projeções para o PIB este ano se deterioram rapidamente. Embora o relatório Focus ainda mencione crescimento de 0,03% - ou seja, estagnação - economistas do setor privado e do governo já enxergam a recessão. A diferença está na intensidade e duração.

Em 2015 a retração da atividade pode se situar no intervalo de 0,5% a 2%, em comparação com crescimento muito próximo a zero no ano passado. Os economistas das maiores casas bancárias estão migrando para 1% a 1,5% negativo, já levando em conta um racionamento de água e energia elétrica da ordem de 10%.

A economia abaixo do nível do mar dificulta sobremaneira o cumprimento da meta fiscal e constrange, de certa forma, um maior aperto monetário.

O novo cenário explica a mudança na comunicação do Comitê de Política Monetária (Copom) entre o Relatório Trimestral de Inflação de dezembro e a ata da última reunião, divulgada no dia 29 de janeiro, que elevou a taxa Selic para 12,25% ao ano. No relatório, o Copom dizia que faria "o que for necessário" para levar a inflação para a meta de 4,5% em 2016. Na ata, subtraiu essa afirmativa e a substituiu por "avanços alcançados no combate à inflação ainda não se mostram suficientes", sugerindo a leitura de possível redução do ritmo de aumento dos juros para 0,25 ponto percentual na próxima reunião do comitê, em março. E, no mais, deixou as portas abertas para parar ou não o ciclo de aperto monetário.

Paralelamente aos sinais emitidos pelo BC, o mercado revigora as projeções de inflação do ano. O Focus traz previsão de 7,01% para o IPCA de 2015, podendo chegar a 7,28% conforme a mediana do Top 5. Quanto maior a inflação deste ano, maior será o peso da inércia para o período seguinte. A cada nova notícia sobre reajustes de preços administrados, porém, as pressões inflacionárias vão piorando e dificultando a ancoragem das expectativas para 2016.

Com inflação na casa dos 7% a 7,5% em 2015, a possibilidade de derrubá-la para 4,5% em 2016 fica mais distante.

Não há dúvida de que a inflação, depois do tarifaço e da desvalorização do câmbio, vai entrar em curva descendente, com alguns repiques temporários. O problema é o tempo. Quem busca replicar o modelo de projeções do BC encontra o IPCA na casa dos 4% em 2017, mas não em 2016, quando ainda estaria acima da meta.

Além de incertezas em relação à velocidade da desinflação, outras dúvidas do mercado não encontram respostas como, por exemplo, sobre qual será a ação do Banco Central diante do aumento das pressões inflacionárias. Há o risco de dois eventuais choques, um de oferta (com o racionamento) e outro de demanda (com o Petrolão e consequente paralisia dos investimentos). O BC pode vir a enfrenta-los prolongando o ciclo de aperto monetário ou desincentivando uma maior desvalorização cambial.

As projeções do Focus para a inflação em 2016, da ordem de 5,6%, trazem embutida a perspectiva de que o Copom começará a cortar os juros no fim deste ano.

O fato é que as condições objetivas para o governo cumprir as duas principais metas da economia esbarram em uma pesada herança do mandato anterior.

O jogo, se não está ganho também não está totalmente perdido. Mas a partida ocorre em campo esburacado, o adversário bate na canela e a torcida começa a ficar impaciente.

É inegável que o clima durante a transição no Ministério da Fazenda estava longe de ser amigável. Quem participou do processo conta que em uma reunião com técnicos do Tesouro Nacional, em dezembro, na presença de Guido Mantega, Arno Augustin e Joaquim Levy, um dos participantes dirigiu-se a Levy chamando-o de ministro. Mantega imediatamente reagiu: "O ministro aqui sou eu".

Abreu ou Caffarelli no BB: eis a questão

0 ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, apoia Alexandre Abreu para a presidência do Banco do Brasil. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sugeriu Paulo Rogério Caffarelli para o cargo. Por enquanto, o pêndulo se volta para Abreu, mas não estão esgotadas as chances de Caffarelli. Ambos são funcionários de carreira e chegaram à vice-presidência da instituição.

Caffarelli trabalhou de fevereiro a até dezembro de 2014 como secretário-executivo do Ministério da Fazenda, com Guido Mantega. No Palácio do Planalto dizia-se que nesse posto ele estava sendo preparado para alçar voos mais altos. No dia 12 de janeiro, com a nomeação de Tarcísio Godoy para o cargo, Caffarelli ficou com o cargo de secretário-adjunto. No dia 3, foi exonerado a pedido.

O contraponto se repete na presidência da Petrobras. Mercadante estaria apoiando a indicação de alguém como Murilo Ferreira, presidente da Vale, e Levy preferiria um nome mais ligado ao mercado financeiro, embora não seja dele a indicação de Paulo Leme, do Goldman Sachs.

O destino de Caffarelli e a escolha do presidente da Petrobras podem ser um bom termômetro da influência de Levy no governo.

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