O GLOBO - 22/02
Buenos Aires dá lição a Brasília ao transformar chineses em importantes parceiros, sem se preocupar com as normas e os interesses do Mercosul
É conhecida a paralisia que contaminou a política externa brasileira com a chegada de Lula e PT ao Planalto, em janeiro de 2003. Subordinada aos compadrios ideológicos do novo grupo no poder — alianças sempre com viés antiamericanista, terceiro-mundista, à moda da esquerda de durante a Guerra Fria —, a diplomacia companheira acumula, nesses 12 anos de lulopetismo, um extenso inventário de prejuízos ao país.
As perdas são mais visíveis no comércio internacional, em que oportunidades de ampliação de mercados são perdidas porque o Brasil não assina acordos bilaterais e se mantém preso a um Mercosul em crise, apenas devido a afinidades com bolivarianos e assemelhados, como a Argentina kirchnerista.
Mas, por suprema ironia, esta mesma Argentina acaba de dar um passo diplomático, em defesa dos próprios interesses, numa clara lição ao Brasil. Sem se preocupar com qualquer reciprocidade a Brasília, nem com o Mercosul, a Casa Rosada firmou com a China uma série de acordos que deverão reduzir ainda mais os espaços do mercado argentino para produtos manufaturados brasileiros, entre outros.
Sob o cerco de grave crise econômica, alijada do mercado mundial de crédito, a Argentina decidiu assinar 15 acordos com os chineses — construção de hidrelétricas, no setor agrícola, nas telecomunicações etc. — para, em troca, conseguir divisas.
Os chineses são especialistas nesses tipos de operações, em que socorrem países em dificuldades, para obter algo em troca: mercado para suas exportações e/ou o suprimento de energia (petróleo, carvão etc.).
O temor é que os chineses tenham tratamento tarifário especial na Argentina. Se já são bastante competitivos em condições normais, imagine-se com incentivos.
O Brasil já há algum tempo perde mercado para produtos chineses no vizinho. Até pelo protecionismo argentino contra as exportações brasileiras de manufaturados, uma agressão ao próprio acordo de união aduaneira do Mercosul, e isso sem que o governo brasileiro reaja à altura. Devido ao tal compadrio.
Em máquinas e equipamentos, por exemplo, a Argentina foi o principal mercado importador do Mercosul até 2013. Já no ano passado, o posto foi ocupado pela China. Com os acordos recém-assinados por Cristina Kirchner em Pequim, esta liderança deve se consolidar.
O lado positivo de tudo isso é que a Argentina mostra ao Brasil que caminho se deve trilhar: sem deixar de preservar o comércio no Mercosul, abrir-se a acordos com grandes mercados importadores.
Há mais de uma década, por exemplo, tenta-se assinar um entre o Mercosul e a União Europeia. Por resistência argentina, o tratado não sai. Pois a própria Argentina acaba de indicar a saída para o impasse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário