Em 2010, ex-presidente estava fazendo campanha para eleger Dilma
POR JOSÉ CASADO, RAMONA ORDOÑEZ, BRUNO ROSA E KARLA MENDES
RIO — A primavera transforma Amsterdã num festivo e multicolorido jardim de tulipas, mas naquela noite Peter van Leusden estava mais atento ao tráfego na sua caixa postal eletrônica do que às celebrações na cidade. Às 21h33m, o investigador do serviço de informações da Receita holandesa recebeu o e-mail que aguardava, enviado por Jonathan Taylor, um ex-executivo da SBM, fornecedora da Petrobras.
Três semanas antes, a SBM confessara à Receita e ao Ministério Público da Holanda ter repassado US$ 102,2 milhões ao seu representante no Rio, Julio Faerman, em pagamentos de propinas a dirigentes da empresa estatal sobre contratos de navios e plataformas marítimas.
O e-mail de Taylor era incisivo: "Caro Peter, funcionários da Petrobras que estão claramente conectados a Julio Faerman, predominantemente como aparentes fornecedores de informações que não deveriam estar fornecendo a ele, e /ou indivíduos de influência dentro da Petrobras (...)" Seguiu listando 13 nomes.
Um dos citados foi Renato Duque, ex-diretor de Engenharia e Serviços da estatal, que chegou a ser preso no mês passado sob acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência com políticos do Partido dos Trabalhadores.
UMA LISTA MANUSCRITA
Também foram relacionados: José Miranda Formigli Filho, José Antônio de Figueiredo, Paulo Carneiro, Cleison Pinto, Mauro Mendes, Osmond Coelho; Ricardo Serro, Tuerte Armaral Rolim, Alexandre Valladares Quintino dos Santos, Gilvan D' Amorim, Nilton Oliveira e Roberto Gonçalves.
Dias antes, o investigador holandês recebera de Taylor uma lista manuscrita com sete nomes. Não conseguiu entender a tortuosa caligrafia — “talvez, nossos pobres olhos ou sua escrita", ironizou, ao pedir para o informante decifrá-la.
Taylor, que estava em Atyrau, onde o rio Ural separa a Europa da Ásia, então respondeu: “Depois de um par de horas pesquisando o disco rígido, posso confirmar que os nomes na lista são os seguintes funcionários da Petrobras: José Miranda Formigli Filho, José Antonio de Figueiredo, Paulo Carneiro; Marco Antonio Maddalena, Leonardo Vilain, Ricardo Serro e Mario Nigri Klein."
Em e-mail a Peter Leusden, investigador da Receita da Holanda, o ex-executivo da SBM Jonathan Taylor fornece uma lista de nomes de funcionários da Petrobras “claramente conectados” com Julio Faerman, representante da empresa holandesa no Brasil e acusado de intermediar o pagamento de propinas - Reprodução
O fisco holandês passou a dispor de uma coletânea de nomes. Quatro dirigentes da Petrobras (Formigli, Figueiredo, Carneiro e Serro) figuravam em duas listas de “conectados” ao agente da SBM no Rio. Esses documentos integram o processo local e foram divulgados recentemente pelo Correctiv, organização mantida por jornalistas da Europa e dos Estados Unidos.
A empresa da Holanda alega não poder comentar “gravações e/ou dados obtidos ou retidos de forma ilegal por um ex-funcionário que esteve envolvido nas etapas iniciais das nossas investigações internas". Informações como as listas “não representam os fatos da maneira que a empresa os entendia na ocasião ou como os entende agora”. O executivo, acrescentou, “tenta extorquir a SBM". Já a Petrobras informou que encaminhou “imediatamente às autoridades públicas” todas as informações que recebeu da Holanda “para que aprofundassem as apurações.”
Julio Faerman, o representante carioca da SBM, era reconhecido na Petrobras por gravitar em torno deles. Movia-se na sede da avenida Chile, também, em visitas a Jorge Zelada, diretor Internacional, e ao principal subordinado de Renato Duque na Engenharia e Serviços, o gerente-executivo Pedro Barusco. Mês passado, Barusco se apresentou ao Ministério Público Federal no Rio. Entregou arquivos, contas bancárias e se comprometeu a fazer uma confissão completa em troca de atenuação de penalidades. Surpreendeu ao dizer que possuía US$ 97 milhões no exterior, dos quais US$ 20 milhões na Suíça — já bloqueados.
As relações de Barusco e Duque com Faerman eram mais densas desde 2009, quando recorreram a ele para realizar uma operação mais coerente com a política partidária do que com a natureza da Petrobras, a produção de petróleo e gás.
Na época, o governo preparava a candidatura de Dilma Roussef, então na chefia da Casa Civil, para disputar sucessão presidencial de 2010. Desfrutando de popularidade recorde, numa conjuntura de inflação baixa (4,3%) e crescimento acelerado (7,5%), Lula planejava capitalizar o impulso da Petrobras na exploração do pré-sal.
Acionado, José Sérgio Gabrielli, presidente da estatal que frequentava a propaganda televisiva do PT com estrela vermelha na lapela do paletó, formatou um calendário de eventos para o ano seguinte. Escolheu o período entre o primeiro e o segundo turnos eleitorais para o “batismo” do navio-plataforma P-57. Tudo legitimável como parte da comemoração dos 57 anos da Petrobras. Só havia um problema: faltava combinar com a SBM a entrega antecipada da plataforma.
Naquele outubro de 2009, enquanto Gabrielli e a bancada do PT se ocupavam no desmonte de uma CPI no Congresso, Duque e Barusco formalizaram o pedido a Faerman. A Petrobras queria a P-57 no outubro seguinte, “de forma a possibilitar o início da produção em 2010" — justificou-se.
Faerman não demorou com a resposta da SBM: possível era, mas a custos extras. Começou o balé da negociação com os funcionários Mario Nigri Klein, Ricardo Amador Serro, Antonio Francisco Fernandes Filho e Carlos José do Nascimento Travassos. Terminou em abril de 2010, seis meses antes do prazo de entrega, quando o diretor Renato Duque aprovou o gasto extraordinário, sob recomendação de José Antônio de Figueiredo e Barusco.
Como previsto, Lula comandou o “batismo” da P-57 em Angra dos Reis na quinta-feira 7 de outubro de 2010. Talvez não soubesse, mas esse evento no calendário eleitoral custou à Petrobras US$ 25 milhões extras no orçamento.
Nessa época, a Petrobras estava sob pressão do Tribunal de Contas da União que insistia em fiscalizar os gastos com plataformas marítimas. O TCU via urgência em casos como o da P-57, cuja aquisição acontecera sem que a estatal tivesse “ao menos, uma ideia ou conceito acerca do objeto (do contrato) ou seu valor". Para o tribunal, a direção da estatal comprou uma plataforma marítima no valor de US$ 1,2 bilhão sem ter sequer “um projeto básico ou orçamento detalhado”.
Durante 20 meses, os auditores federais solicitaram estimativas, planilhas eletrônicas e memórias de cálculo dos custos das plataformas P-57, da SBM, e P-55, do consórcio Queiroz Galvão, UTC e IESA. Gabrielli negava, alegando sigilo. Um dia, mandou ao TCU caixas com planilhas impressas. Era só papel. Sem as memórias de cálculo eletrônicas, não haveria auditoria. Até sair da presidência da Petrobras, em 2012, Gabrielli conseguiu evitar a abertura dos custos das plataformas ao tribunal de contas.
AS PRINCIPAIS COMISSÕES PAGAS PELA SBM:
P-57
Localização: Opera no campo de Jubarte, na Bacia de Campos. Valor do contrato:US$ 1,22 bilhão. Prazo de execução: 6 anos. Contrato assinado em 02/2008. Propina:US$ 36,3 milhões
Marlim Sul
Localização: Opera no campo de Marlim Sul, em Campos. Valor do contrato: US$ 799, 5 milhões. Contrato assinado em 03/2003. Prazo de execução: 10,5 anos.Propina: US$ 18,1 milhões
Capixaba
Localização: Opera no campo de Baleia Franca, em Campos. Valor do contrato: US$ 1,769 bilhão. Prazo de execução: 15,7 anos. Contrato assinado em 04/2005. Propina:US$ 15,8 milhões
Brasil
Localização: Desmobilizada. Estava em Roncador (Campos). Valor do contrato: US$ 719,5 milhões Prazo de execução: 11,3 anos. Contrato assinado em 06/2001. Propina :US$ 14,5 milhões
Anchieta
Localização: Opera no campo de Baleia Azul, em Campos. Valor do contrato: US$ 2,606 bilhões. Prazo de execução: 30 anos. Contrato assinado em 01/99. Propina:US$ 9,9 milhões.
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