O ESTADO DE S.PAULO - 12/11
A União Europeia acabou apresentando queixa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre isenções de impostos internos condicionadas a conteúdo local e que, portanto, discriminam as importações.
As autoridades brasileiras parecem ter acreditado que a passagem do tempo atenuaria a sua inépcia. Já há dois anos, quando o assunto surgiu pela primeira vez, houve alertas claros de que o programa Inovar-Auto feria frontalmente as regras da OMC. Eu mesmo, em artigo intitulado Sob pele de inovação, o lobo da proteção, publicado neste espaço em 15/10/2012, escrevi: a legislação tributária, "transformada na espinha dorsal do programa Inovar-Auto, aumenta o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veículos, produzidos no País ou importados, em 30%. Caso as empresas automotivas instaladas no País alcancem determinadas metas de gastos em pesquisa e desenvolvimento, nacionalização de etapas fabris e melhoria de eficiência dos veículos, poderão abater o IPI adicional. Ou seja, os veículos produzidos no País serão protegidos da concorrência das importações pelo efeito cumulativo da tarifa de importação de 35% e do diferencial de até 30% no IPI cobrado.
O programa foi descrito como um 'esforço de inteligência para (...) passar pelo crivo liberal (sic) da OMC'. Se 'inteligência' for substituída por 'malandragem', talvez a frase faça algum sentido. A discriminação tributária com impostos internos é violação flagrante das regras multilaterais. Não fosse assim, não faria sentido algum negociar reduções recíprocas de tarifas de importação, pois a qualquer momento um dos parceiros poderia introduzir imposto interno que se aplicasse só às importações e seria equivalente a aumentar o imposto de importação". "(...) Ouvem-se argumentos de que o governo teria esperanças de que a eventual defesa do mostrengo possa se basear em exceções aceitas pela OMC para políticas de estímulo à inovação. Mas o que a OMC aceita são subsídios a atividades de inovação que nada têm que ver com metas de conteúdo local. Se o BNDES apoiasse projetos de inovação justificados por análises de custo-benefício sob a ótica social, seria possível caracterizar uma política coerente de estímulo à inovação centrada na correção de falhas de mercado.
A verdade é que a indústria automotiva brasileira, que operava até recentemente sob frondosa tarifa de 35%, extraiu do governo proteção adicional da mesma magnitude, relacionada ao tratamento discriminatório das importações na cobrança do IPI. O custo será pago pelo consumidor, a despeito dos desmentidos ineptos dos ministros Mantega e Pimentel. É muito oneroso resgatar periodicamente a indústria automotiva, sempre na rabeira da inovação tecnológica global."
Com alguma qualificação, os mesmos argumentos se aplicam a outros programas de governo.
É vergonhoso que isso possa ter escapado ao governo, no Itamaraty e alhures, quando a política foi implementada. E que o lobby automotivo não tenha encontrado caminho menos primitivo para defender seus interesses.
As reações do governo à decisão europeia têm sido patéticas. Ou confessa a malandragem: "Quando houver decisão na OMC, o programa já terá expirado". Isto é, vamos delinquir enquanto a polícia não chega. Ou o Itamaraty, em fase panglossiana aguda, comemorou como vitória o fato de a União Europeia ter retirado de sua queixa a parte referente à Zona Franca de Manaus. Ou, ao estilo Rousseff, substituiu razão por ênfase e insiste na legalidade das ações brasileiras, sem argumento que sustente tal crença.
No caso da política comercial atual não se trata de ter ou não ter complexo de vira-lata, trata-se de ser ou não ser vira-lata. Há déficit de seriedade e competência em Brasília. O Barão deve estar mais do que triste. Envergonhado.
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