GAZETA DO POVO - PR - 08/10
Agora serão 28 partidos na Câmara, e a motivação de alguns deles para existir é unicamente o acesso a benesses como tempo de televisão e o Fundo Partidário
Tão mais forte será uma democracia quanto mais fortes e representativos forem os partidos políticos. Não é um alto número de legendas, mas a sua qualidade, que dá vigor às instituições e à participação popular no processo político que conduz a nação. Por isso, não é porque o país conte hoje com 30 partidos e que vários outros estejam em vias de criação que podemos ter a sensação de que a nossa democracia representativa tenha chegado à beira da perfeição. Pelo contrário: há distorções graves que precisam ser corrigidas.
O resultado das eleições do último domingo levou à Câmara, na legislatura que se inicia em janeiro próximo, a ter bancadas de nada menos de 28 partidos – seis a mais que na atual. Pelo menos três “bancadas” terão um só deputado; outras três terão dois parlamentares cada uma. Mas o fato de essas legendas contarem agora com representantes eleitos lhes dá direito a verbas do Fundo Partidário e a tempos maiores nos horários dos programas eleitorais, o que por sua vez lhes permite negociar a preço alto alianças com as grandes siglas.
Esse é um dos muitos males incrustados na legislação político-eleitoral do país e que há muito carece de uma reforma profunda. Nosso sistema é invertido: colocam-se várias dificuldades à criação de partidos (que o diga a Rede Sustentabilidade de Marina Silva), mas qualquer legenda, pelo mero fato de existir, ganha verbas e tempo de televisão. O correto deveria ser o oposto: que qualquer grupo de brasileiros pudesse criar partidos políticos sem burocracias exageradas, mas que essas legendas só tivessem acesso a recursos públicos se mostrassem ser representativas de uma parcela significativa da população.
Quanto a esse segundo aspecto, há um remédio já identificado, mas nunca aplicado. Trata-se da cláusula de barreira, constante de uma lei sancionada em meados da década de 90, mas que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2006, derrubou por considerá-la inconstitucional. O dispositivo previa que não teriam acesso ao Fundo Partidário e a horários de propaganda eleitoral os partidos que não tivessem obtido na eleição imediatamente anterior pelo menos 5% dos votos para a Câmara. Ao tirar dos aproveitadores a possibilidade de colocar nas mesas de negociação mecanismos tão valiosos, a cláusula seria suficientemente poderosa para inibir iniciativas do gênero.
O STF preferiu entender que não devem ser cerceados os direitos constitucionais que asseguram a livre associação e a representação das minorias, impondo como restrição apenas a condição de que não atentem contra a soberania nacional. Ministros do Supremo concordam, no entanto, que é necessário impor limites ao clientelismo. Já se pronunciaram claramente a respeito por exemplo, o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa e o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Dias Toffoli, também ministro do STF. Eles chegaram a concordar que o Supremo errou ao escancarar as portas para a formação oportunista de novos partidos – Toffoli voltou a repetir o raciocínio depois do resultado de domingo.
Tramita no Congresso o texto de uma reforma política proposta pelo Executivo e que prevê a institucionalização da cláusula de barreira. Nessa versão, partidos que fiquem abaixo do patamar determinado não estão impedidos de eleger deputados, mas terão acesso vedado ao grosso do Fundo Partidário e do horário político. Falta, no entanto, a chamada “vontade política” dos congressistas em votar o conjunto de dispositivos depuradores nela contidos – entre eles, o que impõe a barreira. Justamente porque, na medida em que mais partidos existirem, independentemente de sua representatividade, mais dificuldades à governabilidade podem ser trocadas por facilidades que interessam a uns poucos.
A esperança, embora pálida, é de que o Congresso a ser empossado em janeiro dê seguimento célere, após o devido debate, à reforma política. Sem ela, nenhuma de todas as outras reformas de que o Brasil depende para empreender o seu desenvolvimento econômico e social será viável.
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