O GLOBO - 07/10
A tendência estava sinalizada em pesquisas na fase final da campanha e nas últimas sondagens, divulgadas no sábado, mas a vantagem que o candidato tucano Aécio Neves obteve em relação a Marina Silva, do PSB, nas urnas, foi uma surpresa.
Ninguém poderia imaginar há um mês, mesmo dentro do PSDB, que um empate na margem de erro verificado na véspera do final do primeiro turno viria a se converter em pouco mais de onze pontos à frente de Marina — inesperados 33,56% contra 22,32% — na contagem efetiva dos votos.
Mais atingido eleitoralmente pela morte trágica de Eduardo Campos, e a consequente candidatura de Marina Silva como cabeça de chapa do PSB, que a própria presidente Dilma Rousseff, Aécio Neves chegou a ser considerado fora do jogo. Mas persistiu e, muito por mérito próprio, recuperou a viabilidade da candidatura tucana.
Com a ajuda, é certo, da violenta e nada ética campanha do PT para desidratar Marina. Com a contribuição, também, da própria candidata ao, por exemplo, lançar um programa sem antes lê-lo com atenção, para não ser forçada, depois, a corrigi-lo. Foi assim na desgastante questão da homofobia e no apoio ao uso da energia nuclear. Abriu o flanco para ser acusada de escrever o programa de governo “a lápis" — devido às sucessivas correções que fez no texto. Embora com menos virulência que os petistas, Aécio não teve alternativa a não ser também apontar a fragilidade da candidata.
Em outra das ironias que costumam acontecer em eleições, o que se considerava certo com a unção de Marina Silva, o fim da “polarização tucanos-petistas", foi restabelecida, e com toda força.
Petistas consideravam a de 2014 uma eleição difícil para o partido, e tinham razão. Os 41,59% dos votos obtidos por Dilma, vencedora do primeiro turno, ficaram 5,3 pontos aquém dos 46,91% conseguidos no primeiro turno em 2010, quando o tucano da vez foi novamente José Serra, eleito no domingo para voltar ao Senado representando São Paulo. Em relação a 2010, quando teve 47,6 milhões de votos, Dilma perdeu 4 milhões de eleitores.
Levadas em conta as votações dos três candidatos a presidente, o Brasil votou no domingo majoritariamente contra o segundo mandato para Dilma: 58,41% dos eleitores optaram pela oposição, principalmente com Aécio ou Marina. Não quer dizer que Aécio vencerá o turno final, mas é um alerta ao PT. Este alerta chega a ser estridente em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país e berço do partido. Além da baixa votação de Alexandre Padilha, candidato derrotado ao Palácio dos Bandeirantes, o PT paulista teve perdas nas suas bancadas estadual e federal, com destaque para a derrota de Eduardo Suplicy, no Senado, para Serra.
Se Aécio perdeu no próprio estado, Minas, em que Dilma arrebanhou 53,11% dos eleitores, contra 27,59% do ex-governador mineiro, ele pode tentar reduzir os danos alardeando que o PT, em compensação, sofreu derrota histórica em São Paulo. Talvez, com isso, consiga diminuir o alcance das suas avarias, mas que foram além: Aécio também não conseguiu eleger seu candidato, Pimenta da Veiga, derrotado em primeiro turno por Fernando Pimentel, ministro de Dilma, e antigo aliado do candidato tucano em eleições passadas no estado.
Os 44% conseguidos por Aécio, um mineiro, em São Paulo são invejáveis. Tempos atrás, seriam improváveis. Assim, o tucano pode conseguir junto aos paulistas um colchão de algo na faixa dos 10 milhões de votos ou mais, para compensar as derrotas garantidas no Norte-Nordeste. Foi assim que Fernando Henrique Cardoso, nas duas disputas com Lula, em 1994 e 98, saiu vitorioso.
Mas, reconheça-se, naquela época ainda não existia o Bolsa Família e todo o arsenal assistencialista que, segundo mostram os inúmeros mapas publicados nos jornais de ontem, dividiu de vez, política e partidariamente, o Brasil em dois: um, o menos desenvolvido, o Norte-Nordeste, com largo predomínio do PT. O outro, boa parte do Sudeste, o Sul e o Centro-Oeste, de oposição.
Aécio Neves sai do primeiro turno com um cacife invejável e um outro muito robusto, mas ainda a ser confirmado. O trunfo certo é o apoio firme do tucano Geraldo Alckmin, reeleito governador de São Paulo e que, na comemoração da vitória, declarou que se ele (candidato em 2006) e Serra (em 2002 e 2010) “bateram na trave” — perderam para Lula, duas vezes, e Dilma —, agora será diferente. Afinal, um PSDB unido, algo raro em campanhas presidenciais.
O cacife provável é o apoio de Marina e seus 22 milhões de votos, capazes de decidir esta eleição para um ou outro, mesmo que não consiga induzir uma transferência total de apoios. Em 2010, quando atraiu também cerca de 20 milhões de eleitores, recebeu o aceno de Serra, mas preferiu ficar neutra. Na prática, pelas características do seu eleitorado, ajudou Dilma. Agora pode ser diferente, muito pelos ataques vis que recebeu da campanha à reeleição da presidente e ainda por semelhanças de propostas no campo econômico com os tucanos. É nisto em que Aécio aposta, sem deixar de cortejar o apoio de Renata, viúva de Eduardo Campos, que demonstrou, com seus filhos, ser importante eleitora em Pernambuco, haja vista a votação de Paulo Câmara, indicado ao governo do estado por Campos, e catapultado para a vitória em primeiro turno numa campanha impulsionada pela emoção em torno da morte do candidato do PSB, e com participação ativa de Renata e filhos. O PSB de Roberto Amaral, presidente do partido, ministro de Lula e lulopetista, terá dificuldades de marchar unido para abraçar a candidatura de Dilma. Até porque Alckmin terá como vice, no próximo mandato, Márcio França, presidente do PSB regional.
Será uma campanha dura, em que todo o arsenal dos marqueteiros petistas destinado a espalhar o terror entre as famílias de baixa renda entrará em ação. Mais uma vez, como em campanhas anteriores, os tucanos serão apresentados como aqueles que cassarão o Bolsa Família, levarão a fome à mesa dos pobres — no lugar dos banqueiros do filmete feito contra Marina. Os programas petistas serão tão virulentos quanto é o risco de o PT ter de abandonar o Planalto em 1º de janeiro. Em troca, o PT terá se manejar a questão da corrupção, em particular a ainda sob investigação na Petrobras.
Mas Dilma e Aécio deveriam investir tempo e esforço em revelar o que pretendem fazer no mandato de 2015 a 2018. O tucano tem divulgado propostas em pílulas. Deveria liberá-las todas. E a petista se equilibra numa conjuntura econômica muito ruim — inflação alta, contas públicas muito desequilibradas, déficit externo crescente e economia rateando — sem dar uma palavra sobre os remédios que pensa ministrar ao país. Anunciar a demissão do ministro da Fazenda no final do governo é nada, pois se sabe que a política econômica é da presidente. Serão três semanas para se compensar a má impressão deixada no primeiro turno, em que os 142 milhões de eleitores ficaram, e continuam, desinformados sobre o futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário