O ESTADO DE S.PAULO - 02/10
A campanha eleitoral continua lamentável. O que prevalece é propaganda, cujo produto final poderia ser, indistintamente, política, iogurte ou sabonete. As mensagens dos candidatos às eleições proporcionais correspondem, tanto quanto em anos anteriores, a uma impressionante coleção de sandices, exibições grotescas e arroubos mitômanos. Se a razão fosse eleitora, votaria em branco.
As eleições majoritárias, salvo em raros momentos, são um festival de fantasias delirantes e difamações. A campanha abomina a discussão de temas complexos, mesmo que sejam cruciais para o futuro do País, preferindo questões de apelo midiático ou demagógico. Nada disso, contudo, é surpreendente, considerado nosso grau de maturidade política.
Reforma tributária é um desses temas complexos. Todos proclamam sua necessidade imediata, mas de forma tão abstrata que o conteúdo se ajusta a qualquer proposta.
Reformar significa mover-se de uma situação vigente até um modelo idealizado, o que desde logo torna evidente que se trata de um bom instrumento para responder à vontade de mudanças dos eleitores. No caso específico da reforma tributária, não se pode perder de vista, entretanto, que há uma enorme diversidade de paradigmas.
Como bandeira política, a reforma tributária ganhou destaque em dois momentos da história recente do País.
No governo João Goulart (setembro de 1961 a março de 1964), após o insucesso do Plano Trienal de Desenvolvimento (1963-1965), optou-se pelo discurso das "reformas de base". Esse mal alinhavado conjunto de ideias incluía a reforma tributária. Em setembro de 1963 foi constituída, no Ministério da Fazenda, uma comissão para cuidar da reforma administrativa da pasta, que findou sendo o surpreendente embrião do audacioso projeto de reforma da tributação do consumo de 1965.
Outro momento foi a Constituinte de 1988. Então, a reforma tributária foi essencialmente um movimento em direção a uma maior descentralização fiscal. A União absteve-se de participar ativamente dos debates, com graves repercussões sobre as finanças do País.
Reforma tributária é tema permanente em todos os países. A despeito das questões envolvidas, é matéria com elevada sensibilidade política. Por conseguinte, sua condução requer estratégia e habilidade negocial.
Sistemas tributários não são softwares de prateleira nem meras construções de especialistas. Decorrem de tensões políticas, e justamente por isso são intrinsecamente imperfeitos.
O imposto sobre valor agregado (IVA), sufragado por mais de 150 países, não vigora nos EUA, porque sua adoção implicaria graves perturbações nas relações federativas.
No Brasil, a desproporcional expansão das contribuições sociais resultou de sucessivos aumentos na partilha do IR e do IPI com Estados e municípios. Essas contribuições, hoje, pouco se assemelham às de outros países, guardando maior proximidade com o conceito de impostos.
Os modelos tributários são dinâmicos, porque sujeitos à obsolescência, em virtude de novas circunstâncias econômicas ou sociais. Daí o entendimento de que reforma tributária é um processo, e não um evento.
Desde a reforma de 1965, todas as emendas constitucionais que cuidaram da matéria tributária concorreram para a perda de qualidade do sistema. Representam, pois, uma perigosa via para implementar mudanças tributárias. Sempre que possível se deve optar por soluções infraconstitucionais.
Não convém acumular propostas, tendo como pretexto uma reforma abrangente. Essa é a forma segura de maximizar as tensões políticas que levam a impasses. O antônimo de abrangente não é pífio. Poderia ser cirúrgico.
Deve-se ter muito cuidado com a tentação de transportar acriticamente modelos de um país para outro, sem ter em conta que eles têm história e, em consequência, reproduzem situações específicas. A experiência internacional pode, no máximo, servir de inspiração para construir soluções locais.
Num próximo artigo, cuidarei de proposições concretas.
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