O GLOBO - 02/10
Ao assumir no seu primeiro mandato, em janeiro de 2003, Lula encontrou a economia na rota da desestabilização, com o dólar nas alturas — roçou nos R$ 4 —, inflação de dois dígitos, clima tenso de insegurança. Isso, mesmo com as promessas sensatas de Lula, feitas por meio da Carta ao Povo Brasileiro, em meados do ano anterior, de que respeitaria contratos, não tentaria executar delirantes propostas que o PT passou muito tempo fazendo de palanques e tribunas.
Hábeis no marketing, criativos em frases e slogans, os petistas logo instituíram a ideia da “herança maldita”. A economia não teria fraquejado devido ao justificado medo dos mercados diante da possibilidade de um governo petista, mas por culpa dos governos do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso. A herança, na verdade, era bendita, porque Lula receberia um país com algumas das reformas estratégicas já feitas ou encaminhadas — como privatizações, lei de responsabilidade fiscal etc.
A ironia, agora, é que o terceiro mandato petista consecutivo construiu uma herança, esta sim, de fato maldita, de responsabilidade em grande parte do governo da presidente candidata à reeleição, Dilma Rousseff. Outra curiosidade de almanaque é que a própria Dilma poderá herdar os malfeitos que cometeu na economia.
O quadro faz jus à imagem da “tempestade perfeita”, termo tomado emprestado pelo ex-ministro Delfim Netto da meteorologia, para designar a conjugação de uma série de fatores negativos na conjuntura econômica capaz de gerar crises graves. Os gráficos acima, neste sexto e último editorial da série “Problemas do Brasil”, trazem alguns ingredientes desta “tempestade”: inflação persistentemente acima da meta — característica do governo Dilma — e, no momento, além do limite superior; economia sem fôlego e gastos públicos primários — não financeiros, sem incluir os juros da dívida — em ascensão constante. Não é uma faceta apenas do PT — os tucanos praticaram o mesmo, mas, de Lula a Dilma, estas despesas, de 15,1% do PIB, galgaram 19%. Quatro pontos percentuais de PIB não são pouca coisa.
Os dados divulgados anteontem com o agravamento da situação das contas públicas em agosto são parte da “tempestade perfeita”. Além de ser o quarto mês de déficit primário consecutivo — logo, sem incluir os juros — do “setor público consolidado”, ou seja, União, estados, municípios e estatais, o resultado foi o pior para um mês de agosto desde 2001, quando a série estatística começou a ser produzida.
Nada é por acaso. Ao aprofundar o modelo intervencionista, heterodoxo, do “novo marco macroecônomico”, o governo engessou a relação juros-câmbio, foi leniente com a inflação, desestimulou os investimentos privados — por enevoar os horizontes —, não elevou os públicos, reduziu a taxa de poupança, entrou em rota perigosa de desequilíbrio das contas oficiais e ainda estimulou contadores criativos lotados na Secretaria do Tesouro para tentar embonecar as estatísticas. Grande ingenuidade.
Um dos desdobramento de tudo é que não será atingido o superávit primário prometido de 1,9% do PIB. A não ser à base de muita criatividade. E muita receita extraordinária. Mas a realização a toque de caixa do leilão da banda 4G na telefonia celular, por exemplo, rendeu menos que o esperado. Há sempre, porém, a possibilidade de alguma mágica executada pelo Tesouro. Mas sem resultado prático, pois analistas já depuram essas manobras quando calculam o superávit primário. Daí preverem algo próximo do zero este ano, antessala de aumento da dívida pública. Mesmo da líquida, conceito desacreditado pelo uso da contabilidade criativa para retirar da dívida neste conceito centenas de bilhões injetados pelo Tesouro em bancos públicos.
A candidata Dilma garante que não será necessário um ajuste fiscal em 2015. Mas a presidente em segundo mandato ou Marina ou Aécio não terá alternativa. A não ser que aceite o Brasil derrapar para uma situação de crônica de mediocridade como a da Argentina.
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