quinta-feira, outubro 23, 2014

A verdade, doa em quem doer - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

EU VOTO #AÉCIO45


CORREIO BRAZILIENSE - 23/10


Lá se vão mais de 20 anos, desde que frase dita por um ministro da Fazenda nos bastidores de entrevista à tevê vazou via satélite e terminou por levá-lo a pedir demissão do cargo. "O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde", disse à época o embaixador Rubens Ricupero. A máxima, inadvertidamente confessada, entrou para a história política brasileira. E agora crescem as evidências de que a prática esteja em alta.

É que, em pleno processo de sucessão presidencial, mais um ocupante de chefia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) pôs o cargo à disposição, reforçando a suspeita de ingerência política na divulgação de dados oficiais. Primeiro foi Herton Ellery Araújo, que deixou a Diretoria de Estudos e Políticas Sociais. Desta vez, Marcelo Medeiros pede para sair da Vice-Coordenadoria de Estudos de População, Desenvolvimento e Previdência.

Herton havia sido impedido de apresentar trabalho anual da entidade mostrando que, de 2012 para 2013, a pobreza extrema parou de cair no país. Medeiros não expressou na carta o motivo do seu pedido de exoneração, mas testemunhas ouviram reclamações dele contra o represamento de dados. Sem convencer, o instituto alega respeito à legislação eleitoral para segurar a divulgação de resultados de estudos fundamentais ao norteamento das políticas públicas.

Nem que o caso do Ipea fosse um fato isolado, a explicação deixaria de ser questionável. Só que a credibilidade das estatísticas nacionais, até há pouco de excelência reconhecida inclusive por organismos internacionais, vem sendo posta em dúvida quase de modo generalizado nesta campanha eleitoral e mesmo antes dela. Grave exemplo foi a correção de última hora produzida pelo IBGE na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do ano passado (Pnad 2013). Num passe de mágica, virou queda o que seria aumento da desigualdade no país.

Na esteira da "falha banal, de fácil detecção", como a presidente Dilma Rousseff classificou o erro do IBGE, soube-se que o quadro de servidores do instituto encolheu 14% no atual governo - de 7.076 para 6.083 pessoas de janeiro de 2011 para cá. Não bastasse, o Projeto de Lei do Orçamento da União prevê menos verba para pesquisas em 2015: de R$ 462 milhões este ano, para R$ 286,2 milhões no próximo. Resultado: foram suspensos o Censo Agropecuário 2015 e a Contagem da População 2016.

Esse caldo de cultura de "o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde" já foi tratado pelo Tribunal de Contas da União como "contabilidade criativa". Na macroeconomia, costuma receber outro nome jocoso: "pedaladas fiscais". O jeito meio brincalhão de encarar os desvios não significa, contudo, que eles tenham menor gravidade. Pelo contrário. Perde o planejamento governamental. E não só a máquina pública é contaminada.

O artificialismo enevoa a realidade. A credibilidade internacional do país é posta em jogo. A maquiagem também confunde a iniciativa privada, atrapalhando investimentos. É estarrecedor que o superavit primário, o cumprimento das metas de inflação, o preço dos combustíveis e da energia tornem-se incógnitas. Urge, pois, restabelecer a verdade, doa em quem doer, a favor da transparência, da democracia, da vida republicana, enfim.

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