Minha amiga teve de vender seu investimento em papéis lastreados por títulos argentinos, pois, caso contrário, passaria dificuldades. Era tudo o que tinha na vida
Tenho uma amiga de 75 anos, italiana, de classe média. Seu banco propôs que ela aplicasse sua poupança (de toda uma vida), de 200 mil euros, em bônus da República Argentina. O banco disse que não havia qualquer tipo de risco. E ela, sem saber dessa possibilidade, investiu. O papel pagava juros de 12% ao ano. Portanto, nada extorsivos.
Tudo ia muito bem, até que... A Argentina dá, literalmente, um calote e comunica aos seus credores (à velhinha minha amiga e milhares de outros iguais) que não tinha mais dinheiro para pagar o que devia. Simplesmente, informou ao mercado financeiro que não tinha como honrar sua dívida. Havia quebrado. Simples assim.
Foi o maior calote já praticado no mundo, desde quando o México declarou moratória nos anos 80, seguido pelo Brasil, de cuja renegociação eu participei como representante de banco brasileiro. Los hermanoscomunicaram que não pagariam mais juros, muito menos o principal. E, depois de longa e desgastante negociação, conseguiram repactuar com os bancos toda a sua dívida externa, com 70% de desconto!
Sabem quem, de fato e exclusivamente, perdeu com essa “decisão soberana” da República Argentina? Não foram os bancos, meros intermediários, mas a minha amiga e milhares de outros aposentados mundo afora.
Resultado final: por necessidade, minha amiga teve de vender no mercado secundário seu investimento em papéis lastreados por títulos argentinos, pois, caso contrário, passaria enormes dificuldades. Era tudo o que tinha na vida.
Sabem por quanto ela foi “obrigada” a se desfazer de seu investimento argentino? Por 20% do valor de face. Em outras palavras, os 200 mil euros que ela investiu no país vizinho viraram 40 mil euros. Ou seja, perdeu 80% de todo o seu patrimônio amealhado em 50 anos de trabalho.
E sabem também quem comprou esse crédito de minha amiga? Esse fundo americano, Elliot, que, imediatamente, entrou cobrando o valor que ela (a minha amiga) de fato investiu, ou seja, 200 mil euros. Esse mesmo fundo que ganhou, recentemente, na Justiça americana o direito de receber 100% do valor de face, obrigando a Argentina a entrar em default novamente.
Daí, vai a minha pergunta: quem é o verdadeiro abutre? O credor americano que cobra o que tem direito a receber ou os governos argentinos que tomaram emprestado esse dinheiro de gente de boa-fé, descontando 70% do valor original? E, pior, é sabido que parte do dinheiro emprestado foi parar em contas numeradas na Suíça...
Você decide. Pra mim, abutres são esses governos corruptos que tomam os recursos emprestados, fazem o querem e, simplesmente, não repagam o que devem, prejudicando e destruindo a vida de pessoas que investiram em boa-fé.
De mais uma coisa, infelizmente, estou convicto: existe um beija-flor nessa história. É a minha amiga, que, inocente, sentiu o cheiro do néctar ao investir na República Argentina, mas, como no conto de fadas, mal sabia ela, tratava-se de uma poção de veneno. O veneno da corrupção e desmando dos estados sul-americanos.
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