FOLHA DE SP - 24/08
O juro nos EUA será baixo nos próximos anos; para quem depende de capital externo, é uma boa notícia
É possível que a taxa real de equilíbrio nos Estados Unidos, após o processo de normalização dos juros naquela economia, estabilize-se em nível ainda inferior a 1,5%, que vigorou no período anterior à crise.
Essa possibilidade foi aventada pelo influente economista Lawrence Summers, em novembro de 2013, em uma conferência no FMI em homenagem ao atual vice-presidente do banco central americano (Federal Reserve ou Fed), Stanley Fischer.
O argumento de Summers é que, ao longo da primeira década do século 21, o juro real foi de 1,5%. Nesse período, houve forte bolha especulativa no mercado de imóveis, o que ajudou a manter o consumo das famílias crescendo mais do que seria normal. Mesmo assim, a inflação ficou em 2,2% ao ano.
O endividamento das famílias cresceu quatro pontos percentuais do PIB por ano. Esse endividamento à época não parecia excessivo, pois a riqueza das famílias, que são proprietárias de imóveis, crescia em razão da subida do preço das residências. Ou seja, a bolha de imóveis injetou demanda por consumo na economia americana ao ritmo de quatro pontos percentuais do PIB por ano!
Summers considera o seguinte exercício contrafactual: qual teria sido a taxa real de juros de equilíbrio --isto é, que mantém a inflação em 2% ao ano e a economia em pleno emprego-- se não tivesse havido a bolha imobiliária? Certamente abaixo de 1,5% ao ano. Há analistas que consideram que, na próxima década, essa taxa ficará próxima de zero.
Dado que os EUA são uma das economias financeiramente mais integradas com o resto do mundo, além de emitirem a principal moeda, que funciona como reserva internacional de valor, a taxa básica de juro americana é, de fato, a taxa básica da economia mundial.
Ou seja, observa-se, ao menos desde os anos 1980, um contínuo processo de redução da taxa de juros internacional. Aparentemente as enormes taxas de poupança da China e de outros asiáticos emergentes explicam boa parte do fenômeno.
No entanto, essa elevação da poupança deveria ter sido compensada pela redução da poupança dos países desenvolvidos --EUA, Europa e Japão--, fruto do processo de envelhecimento.
Os indivíduos poupam ao longo de sua vida ativa e consomem a poupança após se retirarem do mercado de trabalho. Com a elevação da população aposentada, deveria ocorrer forte redução da taxa de poupança nos países desenvolvidos.
De fato, essa taxa tem caído. Por exemplo, a taxa de poupança no Japão reduziu-se nas últimas décadas. O que não estava previsto é que o envelhecimento da população também reduz as oportunidades de investimento. Em uma sociedade que envelhece, a taxa de crescimento populacional se reduz. Se o crescimento da população é menor, há menor necessidade de investir em infraestrutura urbana, moradias, estradas, portos etc.
A experiência do Japão sugere que o envelhecimento reduz mais a poupança do que o investimento. Nos últimos anos, a poupança externa, que o Japão exporta, diminuiu. No entanto, o efeito foi pequeno e mais do que compensado pelo crescimento da poupança nos emergentes, China à frente.
Outro fator que pressiona para baixo a taxa de juros na economia mundial é a possível redução da taxa de crescimento de longo prazo da produtividade do trabalho nas economias centrais.
De fato, como bem documentado em recente artigo do economista Robert Gordon, da Northwestern University, nos EUA, a taxa de crescimento do produto por trabalhador da economia americana da década de 1970 para cá é pouco mais de 0,5 ponto percentual inferior à observada nos cem anos anteriores.
Se o crescimento da produtividade do trabalho é menor, as possibilidades de investimento também são menores. Por outro lado, se o crescimento da renda for menor, em razão do menor crescimento da produtividade do trabalho, a demanda por crédito também será menor.
Tudo somado, a menos que a transição para uma economia liderada pelo consumo ocorra rápida e profundamente na China, a taxa de juros americana nos próximos anos será baixa.
Para nós, economia cronicamente dependente de capitais externos, não deixa de ser uma boa notícia!
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