FOLHA DE SP - 10/07
Ressaca da goleada vai passar, mas vale lembrar velhos motivos desta e doutras derrotas nacionais
ERA O TIME mais fraco do último quarto de século em termos de talentos. Mas houve ainda uma confluência maciça de fatores de desastre desta vez.
"Desastre" em termos desse jogo. A vida vai continuar tão bem e mal quanto antes do "7 a 1". Cicatrizes na autoimagem, se isso é relevante, dependerão mais do sentimento geral de como anda o país, não o contrário. Pode haver efeito político e econômico marginal, pequeno, pois os humores já vinham conturbados, por motivos importantes.
De fato houve "tempestade perfeita": a força do adversário, erros ridículos na organização imediata do time, infortúnios, despreparo e um surto maior de delírio de grandeza patrioteira, além da contribuição de incompetências crônicas, típicas de nossas desordem e incivilidade.
É um despropósito toda a gente dedicar muito esforço mental e prático a um "programa de reconstrução do futebol nacional". Mas há certo interesse em relacionar comportamentos repulsivos genéricos a causas de derrotas várias, modos de agir vívidos no futebol, nicho de atrasos.
Do que se trata?
De primitivismo autoritário. A "família Scolari", o "professor" (técnico paizão), o "grupo fechado" (gangue cega por mística qualquer de união, que não é orientada pela ideia de cooperação esclarecida), disciplinas cotidianas autoritárias e infantis para as equipes, fila indiana com mão no ombro, mezinhas em geral.
Esses modos traduzem, bidu, os velhos paternalismo e "cordialidade": tratar assuntos objetivos ou públicos de modo íntimo e sentimental, ignorando normas formais de convivência social e de eficácia. Tais modos tolhem debates mais racionais, legitimam opressões, emburrecem o ambiente, corrompem regras.
Trata-se de descaso com a lei, de senso geral de decência. Da falta de honradez pessoal e esportiva, de quem aceita "virar a mesa" no tapetão a fim de ganhar pontos em campeonatos ou cavar faltas no campo com acrobacias palhaças. Tudo isso contribui para o menosprezo da competência, da igualdade de oportunidades, da colaboração, da confiança. Tudo isso, claro, solapa a ideia de excelência.
Trata-se de tolerância da violência. Das jogadas criminosas impunes às gangues de torcidas, apadrinhadas pelos clubes. Além da má qualidade de jogos e serviços relacionados, o futebol perde interesse porque ir a campo é um risco físico, porque o jogo baixa ao denominador comum dos piores, violentos e ineptos. Torna-se um negócio porco e pobre.
Trata-se da falta de espírito esportivo, de competir pelo melhor resultado, não pela aniquilação bélica do adversário, não pela vitória como droga para amenizar a pequenez de espírito e de capacidades no mais da vida.
Trata-se da desrazão, de patriotadas, da crença na "mística da camisa" do país do jeitinho, do puxadinho, na "tradição", da ignorância do adversário e de seus méritos. Trata-se de desprezo pela formação, da escola dos livros à do futebol, pelo estudo, por preparo e por planos. Não virá vitória assim.
Sim, todas essas corrupções estão institucionalizadas nos comandos do futebol e não só. Mas a gente ainda tolera à larga tais modos na nossa vida cotidiana.
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