Se é que pode existir palraria mais oca do que entrevista de jogador de futebol ao fim de uma partida, é entrevista de jogador de futebol chorando depois de perder o jogo. Há os que fungam, os que afinam a voz, e há os que vagueiam os olhos para o alto, indo com eles de um lado para o outro e depois voltando, como um pêndulo de ponta-cabeça. Fora isso, todos os jogadores que choram porque perderam são iguais.
A situação exige de nós que pensemos um pouco mais sobre essa subcategoria ultraespecífica de entrevista de jogador de futebol: entrevista-de-jogador-de-futebol-chorando-porque-perdeu. Trata-se de uma modalidade de entrevista que não acrescenta ideia nenhuma, não traz informação nova, não explica nada do que falta explicar e só piora a aflição sobre o que não está explicado. Mesmo assim, dá ibope. Por isso a televisão, que vive de se fartar do que é farto, abusa delas até não poder mais. Há nesse tipo de imagem um quê de obsceno que fascina as câmeras.
A palavra "obsceno" merece uma consideração um pouco menos ligeira. Além de "indecoroso" ou "indecente", há na raiz etimológica desse termo o sentido de "fora de cena". O obsceno é o que não entra em cena, mas dele se pode saber, ou seja, dele se pode saber apenas porque o público seria formado de seres racionais: pensando, o espectador intui e compreende o que está fora de cena e que, assim, posto fora, influi no enredo. O obsceno é o que não se dá aos olhos. O gozo do corpo, a frieza da morte, a contração psíquica da inveja - isso tudo fica além da cena, não cabe na cena; tudo isso é obsceno.
Ou era obsceno. Hoje, nada vale mais do que trazer o obsceno para o centro da cena. A verdade está exclusivamente no que se vê com os olhos e no que se toca com as mãos (o leitor há de compreender o pleonasmo; ele é necessário para que fique bem claro que o que se vê "em pensamento" ou o que se toca "pelo pensamento" não tem hoje o estatuto de verdade, mas de mera especulação). Tudo o que vemos é verdadeiro. Nada do que não vemos merece crédito. A imagem é o critério da verdade. Logo, é preciso mostrar, explicitamente, o que se pretende dizer.
É por isso que são torrenciais os soluços convulsivos nas novelas (servem para dar verossimilhança ao sentimento da dor), os tiros e o sangue nos filmes de ação (servem para dar verossimilhança ao grau de violência contido na história) e a escatologia pornográfica nas cenas de paixão (servem para dar verossimilhança ao que chamamos de amor). Pelo mesmo imperativo espetacular, o choro do lateral, do volante ou do goleiro ganha a tela inteira, por minutos intermináveis. O choro que, por uma questão de decoro, deveria resguardar-se ao vestiário (que está para a cobertura de futebol na TV mais ou menos como a coxia no teatro, isto é, como um espaço obsceno por definição) vira atração principal como um ímã, com a força inqualificável daquilo que nada tem a dizer e, no entanto, aprisiona o olhar. Um jogador chorando diante da TV depois de um jogo trágico - no sentido completo da palavra - serve apenas para explicitar a que ponto a derrota o devastou, a que limite chegou sua desestruturação psíquica. Como um condenado à morte pedindo clemência, ele roga à plateia que não esquarteje sua imagem pública, implora pela condescendência amorosa. Sim, é patético. Em resumo, um jogador chorando diante das câmeras significa apenas isso: um jogador chorando diante da TV.
Significa apenas isso, nada mais do que isso, mas há outras qualificações a serem feitas. É preciso anotar que jogadores de futebol que depois de uma derrota vão às câmeras chorar atuam como se fossem atores. Sabem que, ao se convulsionar diante dos holofotes, ao expor ali os olhos vermelhos, olhos que pediriam um massagista se houvesse massagista para os olhos, estão atuando, estão representando um papel que miseravelmente imaginam ser o deles. Eles aprenderam esse papel - e essa escola de atuação dramática - vendo televisão no Brasil. Daí por diante, oferecem ao espetáculo geral o prolongamento e o agravamento do vexame: choram diante das câmeras como se fossem mocinhas de novela, quer dizer, eles choram como se cada um deles fosse a mocinha da novela, como choraria a princesa no instante em que é sequestrada pelo dragão. Choram como vítimas inocentes, como quem deu o melhor de si e ainda assim não obteve a justa recompensa do mundo cruel, como quem foi atropelado por uma golfada do destino que lhes escapa inteiramente ao controle.
Se no melodrama de TV o choro da donzela começa quando as palavras se esgotaram, no gramado o pranto entra em cena quando o jogo acaba. Não há mais o que o futebol possa fazer. É como se eles jogassem em troca de amor (ou disso a que chamamos de amor). Não tendo tido sorte no jogo para obter o amor, lançam mão do pranto escancarado, encenado, o pranto explícito, para tentar, uma vez mais, ter sorte no amor. Pedem perdão. Falam que vão reconfortar-se na família. Falam que vão embora. Esquecem que ainda têm um jogo pela frente.
Como o final feliz não chegou, ficam desorientados. "Mas como pode?", eles se perguntam em pensamento. "Como é que pode não ter vindo o final feliz?" Desnorteados, despencam do faz de conta e estatelados na realidade, atuam com o repertório de que dispõem. Choram. Aliás, talvez estivessem representando desde o começo. Pareciam viver um idílio. Não traziam no semblante as premências impostas por uma competição angustiante e implacável. Em vez disso, falavam e sorriam como quem desfrutava o êxtase de ser astro de novela. Faziam propagandas de tudo e mais um pouco. Batucavam no ônibus. Davam declarações de candidatas ao título de Miss Brasil, diziam viver um sonho, como se a competição fosse um concurso de fotogenia.
A seleção da CBF beijou ardentemente o príncipe do espetáculo para dar de cara com o sapo do embuste - e o sapo era ela própria.
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