FOLHA DE SP -09/06
Outro dia, em visita profissional a uma das principais capitais do país (aliás, uma das minhas preferidas), vi uma cena muito significativa do Brasil atual. De primeira não acreditei, levando em conta o tipo de pessoa envolvida, mas, depois, fui obrigado a aceitar a realidade dos fatos. O que eu vi? Já conto. Antes alguns reparos.
Já disse nesta coluna que estou mais pra Hobbes do que Rousseau em termos de rompimento do contrato social e da ordem pública, porque inclusive muito dos movimentos ditos sociais superestimam sua representatividade. Quando multidões se formam, em poucos minutos podem virar um grande instrumento de violência de massa. Ninguém é "bonzinho" quando se sente parte de uma massa de "iguais".
Hobbes é o cara que viveu uma vida honesta e responsável e dizia que sem ordem degeneramos em violência porque a vida é precária, perigosa, breve e dolorosa. Rousseau é o carinha que mandou os filhos pro asilo, enlouqueceu sua mulher, mas dizia que somos anjinhos e que a propriedade privada e a ganância é que fazem sermos maus e que em multidões revolucionárias "curamos" o mundo.
Voltemos ao Brasil. Por exemplo, com relação à Copa, essa coisa de "não vai ter Copa" é uma tentativa de estragar a alegria da maioria que nunca mais terá a chance de ver uma Copa no país. Isso não significa que não tenha havido abusos e absurdos na condução da logística e infraestrutura, mas nada disso justifica querer tornar a vida das pessoas um inferno com manifestações um tanto totalitárias. Os demais movimentos são naturalmente oportunistas no sentido que a medicina dá a certos processos infecciosos.
E mais: duvido fortemente da suposta evidência de que sem movimentos de rua a sociedade deixe de se modernizar. A Revolução Francesa é um fetiche de professores que erotizam a política da violência "criadora". A França, como a Inglaterra, teria se modernizado sem a maldita revolução. A maioria dos movimentos políticos marcados por uma metafísica revolucionária (jacobinos, Rússia, Cuba, China, Vietnã, Leste Europeu até a queda do muro de Berlim e outros) não serviu para nada a não ser para matar seus inimigos com desculpas metafísicas ou enriquecer seus líderes corruptos com o passar do tempo.
É fato surpreendente que o mesmo tipo de gente que se diz contra guerras goza com a ideia de revoluções. Acho que muita dessa gente goza mais gritando frases de efeito na rua do que transando. Mas muito psicanalista (e similares) por aí acha mesmo que a "verdadeira" clínica é a política. Toda teoria política com metafísica é totalitária em algum momento.
Mas e a cena que eu vi? Conto pra você agora. Estávamos nós saindo de um restaurante à noite quando o farol em nossa frente fechou. Um grupo grande de ciclistas passou. Mas, quando o farol fechou pra eles, em vez de pararem de passar, como seria o correto, três deles barraram a passagem dos carros que tinham o direito legal de passar, como fazem os policiais militares em situações excepcionais. Ou seja, foram autoritários.
Até aí, apenas mais um exemplo de que mesmo grupos que se julgam "do bem" (salvam o planeta pedalando, socializam durante as noites passeando, têm grana porque pobre anda de bicicleta durante o dia e rico anda de bike durante a noite) degeneram em violência quando em bando.
Aí um quarto ciclista se aproximou das filas de carro barradas por eles, desceu da bike, levantou a "magrela" no ar com as duas mãos, como se fosse uma Uzi ou alguma metralhadora similar, e a sacudiu gritando algo incompreensível.
Já vi aqui em São Paulo ciclistas fecharem carros, furarem o farol xingando o motorista (que também nem sempre é educado, diga-se de passagem), correndo riscos de vida. Na Dinamarca, capital das bikes chiques, vi comportamentos agressivos semelhantes.
Fosse eu uma dessas pessoas que "postam fotos", o ciclista estaria famoso a esta altura. A pergunta é: com quem estaria ele se identificando? Eu tenho algumas hipóteses. Entre elas, o líder do Boko Haram da Nigéria e suas meninas raptadas.
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