O GLOBO - 23/05
Brasil e Índia têm enfrentado problemas semelhantes: redução do nível de crescimento, denúncias de corrupção, atrasos em obras de infraestrutura e inflação elevada. Lá, a conjuntura desfavorável provocou insatisfação popular e mudança de governo. Aqui, o atual sofre desgastes depois de 12 anos no poder. A Índia, quando cresce pouco, é 4%; no Brasil, como se sabe, é bem menos.
Aeleição do novo premier da Índia, Narendra Modi, é resultado direto das dificuldades econômicas, na avaliação do consultor indiano Rakesh Vaidyanathan, do Jai Group. Rakesh, que reside no Brasil e fala português fluentemente, explica que o governo anterior havia perdido a capacidade de executar reformas.
— O governo anterior tinha uma base política muito ampla e sempre tentava buscar consensos. As decisões eram demoradas. Com isso, houve atrasos em obras de infraestrutura que a Índia precisa executar com urgência. O novo primeiro-ministro terá que ser mais ágil para fazer o país voltar a crescer mais — explicou.
O novo governante tem pontos controversos, principalmente na religião. Ele defende a supremacia do hinduísmo, o que deixa inquietas as minorias cristã e muçulmana. Foi eleito em parte por ter demonstrado grande capacidade administrativa. Como governador de seu estado natal, Gujarat, conseguiu taxas de crescimento maiores que a média nacional.
Em relação à dificuldade de administrar a coalizão, problema do qual sofria o governo de Manmohan Singh, a definição se aplica ao Brasil. Aqui, com um governo de quase 40 ministérios e o loteamento político de cargos importantes, empresas estatais apresentam baixos resultados, vão mal nas bolsas, e os projetos de infraestrutura não deslancham, mesmo com a pressão dos grandes eventos. O PIB desacelerou e a inflação subiu.
Os dois países têm uma agenda econômica comum, mas a integração comercial ainda é pequena, de menos de US$ 10 bilhões. Nos últimos 10 anos, o Brasil acumula um déficit na balança comercial com os indianos de US$ 10 bilhões. Somente com importação de óleo diesel, gastamos US$ 15 bilhões nesse período. No ano passado, foram US$ 3 bi. Rakesh explica que enquanto o Brasil possui grandes reservas de petróleo, os indianos se especializaram em refino. O Brasil exporta óleo bruto e importa óleo refinado, e isso explica nosso déficit.
— O Brasil tem falta de combustível por falta de planejamento. A Índia
não tem petróleo, mas tem um amplo parque de refino. Acredito que o problema da Índia é pior, por ser estrutural. No longo prazo, o Brasil pode reverter esse déficit e exportar mais para a Índia — avalia.
A economia indiana teve forte crescimento entre 2003 e 2010. Excluindo-se o ano de 2008, a taxa média foi de 8,9%. O ritmo forte provocou aceleração da inflação, que saiu de 3,4%, em 2003, para 14%, em 2009. No ano passado, os preços subiram 8,1%, segundo o FMI, e a taxa de crescimento foi de 4,3%. Aqui, a inflação é alta, apesar do crescimento baixo.
A desaceleração indiana é causada mais por problemas internos do que externos. O setor de serviços continua crescendo forte, mas houve uma perda muito grande da agricultura e da indústria.
— A agricultura indiana depende muito das chuvas e houve dois anos de seca. A Índia produz mais grãos que o Brasil, mas perde muito com a falta de infraestrutura, no escoamento do produto e na estocagem. Por isso, o Brasil exporta mais. A indústria caiu por problemas de infraestrutura, como estradas e portos. Só o setor de serviços continuou forte, mas ele sozinho não consegue manter o mesmo ritmo de alta — disse Rakesh.
A Índia também tem grande consumo de alimentos, pelo tamanho de sua população, e por isso nunca foi importante exportador. Outro problema que o novo governo terá que enfrentar é o déficit público nominal que tem ficado acima de 6% do PIB nos últimos anos, por causa dos altos subsídios para alimentos e combustíveis e da baixa arrecadação. A maior parte da população ainda vive no campo, e o PIB per capita é de apenas US$ 1,5 mil, contra US$ 11,3 mil do Brasil.
Um projeto revolucionário do novo governo é o de eletrificação dos povoados e da área rural sem luz elétrica, através da energia solar fotovoltaica. Se der certo, mudará a vida de mais de 300 milhões de indianos que vivem às escuras no país.
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