quarta-feira, abril 02, 2014

Mágicas e milagres com a inflação - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 02/04


Bode do dólar caro sai da sala por um tempo, mas no lugar entrou a cabra da inflação da comida


O PREÇO DO DÓLAR tirou um bode da sala da inflação, lotada, porém, de elefantes criados pelo governo. Mas, quando saía um bode por uma porta, entrava uma cabra pela outra, o repique da inflação de alimentos, causado pelo tempo ruim no Brasil e em vários lugares do mundo.

Pode bem ser que a alta dos preços mundiais de alimentos básicos e a especulação que a acompanha e estimula sejam apenas um soluço. Por via das dúvidas, o governo pretende reprimir certos preços até pelo menos 2015, tal como o da gasolina, que ficaria sem reajuste neste ano, segundo notícia da coluna "Painel", desta Folha.

Quanto ajuste e reajuste o governo vai empurrar com a barriga até 2015? Isto é, qual será o tamanho do "tarifaço" (eletricidade, combustíveis etc) e da correspondente ressaca do ano que vem?

Tais perguntas se tornaram mais relevantes depois das pesquisas que indicaram uma irritação ainda maior do que a esperada com a inflação.

Além do mais, nesse ambiente mais irritado, uma inflação além do teto da meta pode fazer um estrago simbólico adicional, na campanha eleitoral. Estrago simbólico, pois no bolso do povo praticamente tanto faz um IPCA a 6,32% ou a 6,53%.

O preço do dólar e a duração da carestia de alimentos vão dar o tom da inflação, dos malabarismos do governo e da conversa política a respeito.

O dólar está numa onda de baixa no Brasil porque, aparentemente:

1) Cai no mundo quase inteiro, pois... leia a seguir:

2) As taxas de juros de longo prazo nos EUA estão calminhas e baixas, pois por ora não há sinal de endurecimento real e mais imediato da política monetária americana;

3) As taxas de juros no Brasil voltaram ao nível de "peru gordo", como diz Delfim Netto, no nível nominal de 13% para papéis de longo prazo, aparentemente compensando os riscos sérios de
desvalorização do real a que estamos sujeitos, atraindo capital;

4) Embora ainda esteja todo mundo apreensivo com a possibilidade de um tombo ou de tremeliques financeiros na China, há por ora uma calmaria de notícias a respeito;

5) Na ausência de pressões externas relevantes, a intervenção do Banco Central no mercado leva o dólar para baixo. Menos que flutuante, o câmbio no Brasil é flutuável.

Pode haver reviravoltas em todos esses vetores a qualquer momento, como temos visto pelo menos desde maio de 2013.

Aliás, um dólar mais barato vai esticar demais o elástico do estilingue, encarecendo ativos brasileiros e estocando expectativas de desvalorização do real, dado o estado das nossas contas externas e da inflação.

Quanto mais esticado, mais dolorido será o chicote na nossa cara quando o elástico estourar. Uma desvalorização virá, mais adiante, em 2014 ou em 2015, a não ser que entremos numa recessão ruim.

Quanto à inflação da comida no atacado, seus efeitos no varejo devem durar até maio, junho. Mas é difícil ver algum economista dizer algo mais preciso sobre a tendência para o resto do ano dos preços mundiais de alimentos.

De qualquer modo, o governo está com água pelo nariz, catando cavacos e trocados para não dar um vexame fiscal e fazendo malabarismos tristes para evitar uma inflação desmoralizante.

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