FOLHA DE SP - 05/04
Omissão característica da política externa no governo Dilma não se coaduna com um país que tem condições de ser protagonista global
Encerrou-se nesta semana um ciclo de debates organizado pelo Itamaraty com o propósito de discutir os rumos da política externa do país. Participaram não só membros do Ministério das Relações Exteriores mas também entidades da sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e representantes de outros setores do poder público.
O encontro servirá de base para o Itamaraty produzir o "Livro Branco da Política Externa Brasileira", documento no qual serão apresentados princípios, prioridades e linhas de ação da diplomacia.
É difícil saber que impacto a iniciativa terá sobre o corpo diplomático. Um espírito jocoso poderia até afirmar que, se depender do desinteresse da presidente Dilma Rousseff (PT) pela área, o referido livro será editado apenas com páginas em branco, tal é o grau de retração do Itamaraty nos últimos anos.
A orientação é uma novidade. No breve hiato entre a vitória nas eleições de 2010 e sua posse, Dilma ofereceu sinais alvissareiros de que promoveria uma bem-vinda adequação na política externa.
Durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil deu passos equivocados na esfera internacional. Foi o caso do apoio quase incondicional a Mahmoud Ahmadinejad no Irã, apesar das constantes violações aos direitos humanos ali promovidas.
Pouco havia de pragmatismo nessa aliança com um tradicional inimigo dos EUA. Tratava-se, assim como em outros episódios do gênero, de usar uma política de Estado para satisfazer alas à esquerda do PT, descontentes com a condução mais ortodoxa da economia.
Reconheça-se que também se verificou, nesse período, salutar aumento do protagonismo brasileiro nos fóruns globais --papel que o país, por seu tamanho e sua história, merece exercer.
Era clara, portanto, a correção a ser feita: sem abrir mão de seu "soft power" crescente, o país deveria abandonar amarras ideológicas ultrapassadas e recuperar a firme defesa dos princípios universais caros ao Ocidente.
Não se viu uma coisa nem outra com Dilma Rousseff.
Tome-se a Venezuela como exemplo. Em 2012, o Brasil compactuou com a decisão de suspender o Paraguai do Mercosul de forma sumária, ação orquestrada para Caracas poder integrar o bloco --Assunção vetava o ingresso.
Neste ano, enquanto Nicolás Maduro reage com violência física e institucional a protestos da oposição, Brasília permanece calada.
Seria, segundo alguns, um momento de maior discrição da política externa, evitando contenciosos desnecessários. A abstenção diante da anexação da Crimeia pela Rússia se inscreveria nesse contexto.
Para a maioria dos analistas, no entanto, a situação resulta da desatenção presidencial e da ausência de estratégia --opinião compartilhada inclusive por atuais integrantes do Itamaraty.
Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério das Relações Exteriores vinha procurando conquistar terreno nos fóruns geopolíticos regionais e globais. O fim da ordem bipolar vigente na Guerra Fria abriu caminho para esse tipo de pretensão.
Não faz sentido que o Brasil, uma das principais democracias e sétima maior economia do mundo, adote uma política externa de mínimo esforço. Quando mais não seja, pelas inúmeras oportunidades de desenvolvimento que boas relações internacionais oferecem.
Na contramão do que pede a circunstância, o governo Dilma nada faz de concreto para destravar acordos de livre-comércio com outras nações. Tratativas do Mercosul com a União Europeia permanecem emperradas pela Argentina, fato que o Brasil aceita como se incontornável fosse. Enquanto isso, progride a Aliança para o Pacífico, iniciativa liberalizante de Chile, México, Colômbia e Peru.
A falta de visão estratégica também se faz notar nos laços com os Estados Unidos. Se havia a esperança de uma normalização das relações com a indicação de Antonio Patriota, ex-embaixador em Washington, para o cargo de chanceler (do qual se demitiu no ano passado), o escândalo de espionagem americana interrompeu o diálogo.
Com Dilma na mira das agências de inteligência, era difícil ser de outro modo. Mas a diplomacia, tal como a espionagem, ocorre sobretudo fora dos holofotes. Não há, todavia, esforços para o Brasil se reaproximar dos EUA, maior economia do mundo e segundo mercado para exportações brasileiras.
Sempre há tempo para mudar, felizmente --ainda mais se, na expressão cunhada pelo chanceler Azeredo da Silveira (1917-1990), "a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se".
Passou da hora de o governo Dilma Rousseff formular uma estratégia de inserção internacional pautada por valores democráticos. Uma política de Estado, como o país precisa, e não de partido, como setores do PT desejam.
Encerrou-se nesta semana um ciclo de debates organizado pelo Itamaraty com o propósito de discutir os rumos da política externa do país. Participaram não só membros do Ministério das Relações Exteriores mas também entidades da sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e representantes de outros setores do poder público.
O encontro servirá de base para o Itamaraty produzir o "Livro Branco da Política Externa Brasileira", documento no qual serão apresentados princípios, prioridades e linhas de ação da diplomacia.
É difícil saber que impacto a iniciativa terá sobre o corpo diplomático. Um espírito jocoso poderia até afirmar que, se depender do desinteresse da presidente Dilma Rousseff (PT) pela área, o referido livro será editado apenas com páginas em branco, tal é o grau de retração do Itamaraty nos últimos anos.
A orientação é uma novidade. No breve hiato entre a vitória nas eleições de 2010 e sua posse, Dilma ofereceu sinais alvissareiros de que promoveria uma bem-vinda adequação na política externa.
Durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil deu passos equivocados na esfera internacional. Foi o caso do apoio quase incondicional a Mahmoud Ahmadinejad no Irã, apesar das constantes violações aos direitos humanos ali promovidas.
Pouco havia de pragmatismo nessa aliança com um tradicional inimigo dos EUA. Tratava-se, assim como em outros episódios do gênero, de usar uma política de Estado para satisfazer alas à esquerda do PT, descontentes com a condução mais ortodoxa da economia.
Reconheça-se que também se verificou, nesse período, salutar aumento do protagonismo brasileiro nos fóruns globais --papel que o país, por seu tamanho e sua história, merece exercer.
Era clara, portanto, a correção a ser feita: sem abrir mão de seu "soft power" crescente, o país deveria abandonar amarras ideológicas ultrapassadas e recuperar a firme defesa dos princípios universais caros ao Ocidente.
Não se viu uma coisa nem outra com Dilma Rousseff.
Tome-se a Venezuela como exemplo. Em 2012, o Brasil compactuou com a decisão de suspender o Paraguai do Mercosul de forma sumária, ação orquestrada para Caracas poder integrar o bloco --Assunção vetava o ingresso.
Neste ano, enquanto Nicolás Maduro reage com violência física e institucional a protestos da oposição, Brasília permanece calada.
Seria, segundo alguns, um momento de maior discrição da política externa, evitando contenciosos desnecessários. A abstenção diante da anexação da Crimeia pela Rússia se inscreveria nesse contexto.
Para a maioria dos analistas, no entanto, a situação resulta da desatenção presidencial e da ausência de estratégia --opinião compartilhada inclusive por atuais integrantes do Itamaraty.
Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério das Relações Exteriores vinha procurando conquistar terreno nos fóruns geopolíticos regionais e globais. O fim da ordem bipolar vigente na Guerra Fria abriu caminho para esse tipo de pretensão.
Não faz sentido que o Brasil, uma das principais democracias e sétima maior economia do mundo, adote uma política externa de mínimo esforço. Quando mais não seja, pelas inúmeras oportunidades de desenvolvimento que boas relações internacionais oferecem.
Na contramão do que pede a circunstância, o governo Dilma nada faz de concreto para destravar acordos de livre-comércio com outras nações. Tratativas do Mercosul com a União Europeia permanecem emperradas pela Argentina, fato que o Brasil aceita como se incontornável fosse. Enquanto isso, progride a Aliança para o Pacífico, iniciativa liberalizante de Chile, México, Colômbia e Peru.
A falta de visão estratégica também se faz notar nos laços com os Estados Unidos. Se havia a esperança de uma normalização das relações com a indicação de Antonio Patriota, ex-embaixador em Washington, para o cargo de chanceler (do qual se demitiu no ano passado), o escândalo de espionagem americana interrompeu o diálogo.
Com Dilma na mira das agências de inteligência, era difícil ser de outro modo. Mas a diplomacia, tal como a espionagem, ocorre sobretudo fora dos holofotes. Não há, todavia, esforços para o Brasil se reaproximar dos EUA, maior economia do mundo e segundo mercado para exportações brasileiras.
Sempre há tempo para mudar, felizmente --ainda mais se, na expressão cunhada pelo chanceler Azeredo da Silveira (1917-1990), "a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se".
Passou da hora de o governo Dilma Rousseff formular uma estratégia de inserção internacional pautada por valores democráticos. Uma política de Estado, como o país precisa, e não de partido, como setores do PT desejam.
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