O Estado de S.Paulo - 26/03
Os prejuízos causados à Petrobrás pela desastradíssima compra da refinaria da Astra Oil belga na cidade texana de Pasadena vão muito além do US$ 1 bilhão sacado do patrimônio público brasileiro e jogado literalmente no lixo de contas bancárias sejam de quais corruptos forem. E dos ainda impossíveis de calcular danos causados à imagem de uma empresa até antes da gestão petista considerada séria e eficiente e ao mito da "gerentona" com que o ex-presidente Lula mimoseou sua sucessora no trono presidencial. Mais difícil ainda de prever será a fuga de votos prometidos à presidente, que tenta se reeleger, pois, ao se abrir uma caixa de Pandora como essa, nem um congresso de profetas bíblicos seria capaz de traçar um cenário com seus efeitos sobre a decisão final do cidadão diante da urna.
A estatal petroleira nacional é um campo fértil para a mistificação política e ideológica desde a campanha nacionalista que a inventou no governo democrático de Vargas, há 60 anos, sob o lema falso e demagógico do "petróleo é nosso" até a cínica mentira disseminada pelos petistas em campanhas eleitorais de que os adversários tucanos a privatizariam assim que assumissem o governo federal. Nem mesmo a evidência de que a defesa intransigente feita por Lula, Dilma e seus asseclas do patrimônio nacional nela investido não combina com a hecatombe que desabou sobre a companhia nos 11 anos e três meses de sua interferência politiqueira na administração da empresa é garantia de que o cidadão pagante não se deixará enganar mais uma vez pelo marketing político de João Santana, o Patinhas.
A lambança não se encerrará com a nota de Dilma, em resposta ao Estado, na qual assumiu o próprio erro ao autorizar, como presidente do Conselho Administrativo da petroleira, o negócio absurdo. Muito menos com a retirada da direção dos negócios desta do bode expiatório da vez, o tal de Nestor Cerveró. A dimensão da quantia perdida - US$ 1 bilhão - não garante por si só que seu rastro será desvendado.
A história mostra que dinheiro furtado do erário pode ter a consistência volátil de gás liquefeito de petróleo. Talvez seja mais fácil achar em alguma ilha perdida da Oceania o jato da Malaysia Airlines intacto e com todos os tripulantes e passageiros vivos do que constatar que o óbvio, por mais ululante que seja (a bênção, Nelson Rodrigues), se fará ouvir num caso dessa relevância. Um arsenal de argumentos mal ajambrados tem sido usado como autênticos anátemas das artimanhas financeiras e da gestão pública para transformar uma bomba de hidrogênio num inofensivo traque junino. Apesar de aparentemente absurda, vai ser difícil escapar dessa perversa hipótese.
A presidente da Petrobrás, ungida pela amiga e chefe no posto depois de devidamente defenestrado o desafeto abençoado por Lula, já mostrou publicamente que não está disposta a ceder às exigências do decoro. Após Dilma ter confessado o inconfessável, a subordinada partiu para explicar o inexplicável e, com a convicção de um devoto dos cânones mais sagrados de fundamentalismos religiosos, tem feito piruetas acrobáticas de que não seria capaz nem o maior ás do Cirque du Soleil. Os fatos são que a empresa de que ela era diretora em 2006, à época do negócio ruinoso, e hoje preside, comprou por, no mínimo, US$ 360 milhões metade de uma refinaria vendida inteira oito meses antes aos belgas por US$ 42,5 milhões. Titãs do tráfico internacional de cocaína e outras drogas devem estar se contorcendo de inveja diante de tamanha valorização. Mas quem disse que a mulher piscou? Antes, o petróleo tinha certo valor, esperava-se que se valorizasse mais, mas veio a crise, que ninguém esperava, e o negócio micou, jurou dona Forster. O raciocínio de madame, aparentemente lógico, ruiu ante o fato de que a empresa perdeu em oito anos US$ 1 bilhão num negócio que vale menos de US$ 100 milhões.
Dona Dilma fez pior. Em vez de navegar nos mares plácidos da platitude em que reina nos pronunciamentos públicos em rede de televisão e na volta à adolescência pelas mensagens de Twitter, madame chefe de madame sacou a desculpa de que só aprovou a compra danosa ao interesse público porque não sabia da cláusula que obrigava nossa estatal a adquirir a outra metade do sócio hostil caso se desentendessem na rotina administrativa do negócio belga. Culpa de quem? Do diretor internacional da empresa lesada à época, Nestor Cerveró, cujo passe, que pertencia ao PT e ao PMDB, só virou pó oito anos depois de a presidente do Conselho, já então presidindo a República, ter descoberto sua terrível omissão. As madames não se dignaram a explicar por que tardaram tanto a descobrir o erro do protegido dos sócios majoritários da aliança parlamentar governista. E só o fizeram depois de ele ter sido regiamente premiado com a direção de Finanças (isso mesmo!) da BR Distribuidora. A demissão do trapalhão, contudo, não impediu que o distinto público, que paga a conta toda, ficasse sabendo que ele também teve de gastar o triplo do total pago por uma refinaria em Okinawa para que ela tivesse mínimas condições de operação. Como se vê, não há mais negócio da China, nem esperteza belga, nem pilantragem japonesa. E, sim, safadeza (na mais sacrossanta das hipóteses) tupiniquim.
Mas pra que discutir com madames? São coisas do capitalismo, juram os hierarcas da esquerda reinante. E a fina-flor da burguesia, refestelando-se no banquete da demolição do patrimônio da estatal, fez-lhes coro. Jorge Gerdau, Claudio Haddad e Fábio Barbosa ajudam o governo a convencer o cidadão votante de que se engana quem pensa que são negócios assim que fizeram o valor da mais valiosa joia da coroa do estatismo nacional despencar do 12.º para o 120.º lugar no ranking do Financial Times, ao cair pela metade desde 2010. O diabo é que essa cantiga de sereia não vai ajudar a tirar a Petrobrás desse poço sem fundo.
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