O Estado de S.Paulo - 17/03
Desde a redemocratização, o PMDB é governo, mesmo quando aparenta ser oposição. De José Sarney a Dilma Rousseff, todos os ocupantes do Palácio do Planalto tiveram ministros do PMDB. É uma perseguição. Os presidentes vão atrás dos numerosos votos peemedebistas na Câmara e no Senado, e os presidenciáveis disputam os preciosos minutos de propaganda eleitoral a que o partido têm direito na TV e no rádio. Não deixam o PMDB em paz.
Assediado, o PMDB cede ao poder, sempre. E sempre por um bom preço. A moeda varia: ministérios, cargos em estatais, verbas para executar as emendas de seus parlamentares ao Orçamento da União. Mas o partido é uma confederação de caciques locais e, quando muito, estaduais. Sempre uns se sentem menos atendidos do que outros pelas benesses federais - e esperneiam. A negociação é permanente e sempre deixa insatisfeitos. É o jogo. Ou era.
Há sinais de que a rebelião peemedebista enfrentada pelo governo Dilma não é mais da mesma chantagem de sempre. É mais grave, é estrutural.
O PMDB está diminuindo na sua região mais vital: os municípios. A cada eleição, o partido elege menos prefeitos. Ato reflexo, sua bancada de deputados federais encolhe no pleito seguinte. Menos deputados significa maior risco de perder o comando da Mesa Diretora e de comissões importantes da Câmara. O ciclo vicioso se repete desde os anos 90, mas agravou-se na última eleição municipal. Foi quando o pesadelo de Dilma começou.
Levantamento do Estadão Dados mostra que, em 2011, primeiro ano do governo, a fidelidade à presidente exercida pela liderança do PMDB na Câmara ficou acima do padrão histórico da sigla: o líder peemedebista orientou seus correligionários a apoiarem o governo em 92% das votações. Nos dez anos anteriores, essa taxa havia sido, em média, de 90%.
Em 2012, a taxa de fidelidade da liderança do PMDB a Dilma na Câmara foi de respeitáveis 86% - maior do que a fidelidade a Lula em 2004. Mas, a partir de 2013, após perder centenas de prefeitos na eleição do ano anterior, o PMDB deixou de apenas flertar com a oposição e foi às vias de fato. Seu líder só orientou a bancada a seguir o governo em 62% das votações do ano passado. Em 2014, mandou votar contra Dilma em metade das vezes.
Não é apenas rebeldia. É a maior taxa de infidelidade do PMDB a um governo desde que o partido ajudou a aprovar o impeachment de Fernando Collor, em 1992. A maioria das análises tem culpado - ou creditado - o deputado Eduardo Cunha (RJ) por essa rebelião. Parece óbvio, pois a mudança ocorreu depois que ele foi eleito líder do partido. Afeito aos holofotes, Cunha incentiva tal percepção borbulhando críticas ao PT dia sim, dia também.
Mas por que Cunha foi eleito líder pelos deputados do PMDB? Será ele a causa ou a consequência do problema enfrentado por Dilma?
Não há líder sem liderados. De nada adiantaria Cunha encaminhar votação contra o governo se seus colegas não o obedecessem. Neste ano de rebelião, a união da bancada peemedebista aumentou: 86% dos votos dos deputados do partido seguiram seu líder. É a terceira maior taxa de coesão em 16 anos de votações.
Na verdade, Cunha foi eleito líder pela bancada do PMDB porque, entre as lideranças do partido, era a que melhor representava essa insatisfação. Com estardalhaço - e indisfarçável prazer -, é o que ele vem fazendo, muito bem. Por que, então, os deputados do PMDB estão mais inquietos e pedindo mais do que de costume?
Porque estão percebendo que o risco de não se reelegerem aumentou consideravelmente. Com menos prefeitos do próprio partido a apoiá-los, precisam de mais verbas e cargos para garantir a própria sobrevivência política. Pior: quem mais cresceu nas mesmas eleições em que o PMDB encolheu foi o PT. Os dois partidos são aliados em cima, mas adversários embaixo.
A rebelião do PMDB é para continuar sendo perseguido pelo poder.
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