O Estado de S.Paulo - 11/02
Pela primeira vez em 20 anos os presidentes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) não realizaram o último encontro semestral e o Conselho do Mercosul nem tem data para se reunir neste ano. A crise é tão grave que os presidentes não conseguem fechar uma proposta conjunta para a União Europeia, tema importante que permitirá uma aproximação com um grande bloco comercial.
O Mercosul, como inicialmente concebido, está agonizante. O Tratado de Assunção, de 1991, previa, em seu artigo 1.º, a liberalização comercial e a abertura de mercado entre os países-membros.
Hoje, por questões políticas e ideológicas, o Mercosul vem sendo um impedimento para a inserção externa do Brasil e dos outros países-membros. A motivação política dos governos fez as regras passarem a ser desrespeitadas e medidas protecionistas prevalecerem sem punição alguma para os países infratores. O Mercosul representa atualmente apenas 8,6% do intercâmbio total do Brasil. O bloco está se tornando cada vez menos importante para nossas exportações, mesmo para os produtos manufaturados, que estão perdendo mercado na região pela perda de competitividade da economia brasileira.
O resultado é um crescente isolamento do Brasil e do Mercosul das novas formas de comércio - cadeias produtivas globais, que representam hoje 56% do comércio mundial - e das negociações de acordos de livre-comércio bilaterais e de mega-acordos regionais.
O Brasil, nos últimos 12 anos, colocou todas as suas fichas nas negociações multilaterais da Rodada Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A reunião de Bali foi positiva pela preservação da OMC, mas os desafios são enormes para a retomada das negociações de Doha, para a reforma que torne a instituição mais eficaz e ágil e para tentar incorporar, de alguma forma, os acordos regionais até aqui negociados fora da Organização. Os riscos de nova paralisação continuam grandes. Essa estratégia equivocada de negociação comercial fez com que nesse período o Brasil e o Mercosul concluíssem apenas três negociações: com Israel, Egito e Autoridade Palestina. Enquanto isso, no mundo mais de 500 acordos estão em discussão, tendo 354 sido notificados na OMC.
Os Estados Unidos e a Europa passaram a negociar a abertura de mercados fora da OMC. O alijamento da OMC das discussões das regras que regulamentarão as trocas comerciais no futuro se reveste de particular gravidade porque os países em desenvolvimento não participarão de sua elaboração e, se quiserem associar-se a esse megagrupo em formação, terão de aceitar as regras prontas. Essas regras se referem a serviços, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual e de origem.
Na Ásia, os Estados Unidos estão em negociações adiantadas com 11 países (por motivos políticos a China não está incluída) para formar a Parceria Trans-Pacífica. Mais recentemente foi anunciado o início de um processo de integração ainda mais ambicioso: o acordo de comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia, que juntos representam metade do PIB global e quase um terço do comércio internacional. Essas negociações têm implicações ainda mais graves para os países em desenvolvimento e, em especial, para o Brasil, pelo fato de que, em paralelo aos entendimentos comerciais, os dois gigantes regionais estão discutindo a formulação de regras sobre investimento, serviços, compras governamentais, propriedade intelectual, de origem, competição e, sobretudo, de padronização (standards) fora da OMC.
O Brasil e os países do Mercosul - grande produtores de produtos agrícolas - sofrerão um impacto adicional. O mercado europeu absorve grande parte desses produtos, mesmo com medidas protecionistas e incentivos ilegais. A partir do momento em que o bloco transatlântico passar a existir, nossos países terão de enfrentar a concorrência - com preferências negativas - da principal potência exportadora agrícola do mundo, os Estados Unidos.
A Aliança do Pacífico, integrada por México, Colômbia, Peru e Chile, decidiu dar prioridade às negociações com a Ásia e com os Estados Unidos. Esses quatro países têm acordos de livre-comércio com os Estados Unidos, a União Europeia e países asiáticos, como a Coreia do Sul. Evidenciando uma estratégia mais ativa e moderna, a Aliança do Pacífico resolveu aproximar-se dos países desenvolvidos e explorar as possibilidades que se abrem com o intercâmbio com a Ásia.
Do ponto de vista comercial, a Aliança do Pacífico terá pouco impacto inicial sobre os países do Mercosul, ao contrário do que ocorre com os outros blocos, pelo fato de os países do Mercosul serem grande fornecedores de produtos agrícolas e o mercado europeu, como dito antes, ainda absorver grande parte desses produtos, mesmo com medidas protecionistas e incentivos ilegais.
Se as negociações do Mercosul com a Comissão Europeia não avançarem, por relutância protecionista de qualquer de seus membros, não haverá alternativa para o Brasil, no âmbito do Mercosul, senão fazer um acordo em separado com a União Europeia, para resguardar nossos interesses.
Por tudo isso, a percepção empresarial a respeito das negociações externas está mudando. No trabalho Agenda de Integração Externa, divulgado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), pede-se o aprofundamento dos acordos regionais de comércio para eliminar a erosão das tarifas para os produtos brasileiros e negociações com países desenvolvidos, como os da União Europeia, os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul e outros que podem aportar conhecimento inovador e novas tecnologias para as empresas brasileiras.
Menos ideologia e mais pragmatismo na área externa é a demanda empresarial para recuperar as oportunidades perdidas nos últimos anos.
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