O Estado de S.Paulo - 31/01
Leis draconianas não garantem a saúde legal do ambiente. Disso estamos cansados de saber e habituados a ver, principalmente quando negócios privados se misturam com entes públicos.
Decretar que isso ou aquilo é proibido, é ilegal, é inconstitucional tampouco basta para balizar comportamentos. Nem por essa razão se pode deixar de aperfeiçoar os mecanismos de prevenção e repressão à ilegalidade ou de saudar novas ferramentas que permitam dar mais um aperto na rosca do parafuso.
Senso crítico é essencial até para separar atos bem intencionados, mas de pouca eficácia prática, de ações que realmente tenham o poder de atuar no cerne da questão. Aqui falamos de corrupção.
Mais especificamente da lei (12.846) que entrou em vigor nesta semana, cujo objetivo é investigar, processar e punir empresas envolvidas em ilicitudes na prestação de quaisquer serviços ao Estado.
Muito bem, a corrupção já é ilegal e, no entanto, grassa. No que mais uma legislação poderia mudar essa situação? Mudar totalmente e principalmente do dia para a noite é algo que, de fato, não vai acontecer. Mas, como dizia o então ministro da Fazenda Pedro Malan nos primeiros anos do Plano Real, é tudo uma questão de "processo".
A chamada lei da Empresa Limpa (inspiração óbvia) pode ser enquadrada nessa categoria da qual faz parte a lei da Ficha Limpa. Não obstante a evidência de que a correção na vida pregressa fosse um atributo indispensável a candidatos a cargos eletivos, nenhuma importância se dava a isso.
Até o dia em que uma emenda constitucional de iniciativa popular cruzou o caminho de um ano de eleições (2010), entidades civis se mexeram, a oposição saiu da inércia, a situação não teve jeito, foi a reboque e pronto: estavam plantadas as sementes.
A existência da lei não fará desaparecerem do cenário, como que por encanto, os candidatos fichas sujas, mas sem dúvida é um fator importante de inibição para o desfile de folhas corridas que acaba resultando num Parlamento cheio de gente com contas em aberto na Justiça.
Pois com todas as questões que ainda precisam ser resolvidas na nova lei anticorrupção - conforme apontam os especialistas, em relação à delação premiada e à ordenação da competência para instauração dos processos - o ponto essencial é este: ela sem dúvida alguma inibirá os corruptores e, por consequência, dificultará o campo de atuação dos potenciais corrompidos.
A legislação não prevê prisão, mas impõe multas altas levando em conta o faturamento bruto das empresas que podem ter suas atividades suspensas ou que, em último caso, podem até vir a ser dissolvidas. Isso independentemente de os donos serem os responsáveis diretos pelo ilícito. Mal comparando, é a teoria do domínio do fato aplicada no julgamento do processo do mensalão. Estando o negócio todo em jogo é de se acreditar que haverá, sim, muito mais precaução por parte dos empresários.
Quando põe no risco o empreendimento e torna o empreendedor responsável pelos atos do conjunto, a lei busca atingir a parte que sempre ficou fora do alcance dos grandes escândalos de corrupção, cujo fôlego costuma se esgotar quando se chega aos corruptos. Até por serem mais notórios.
Se um elo dessa cadeia de promiscuidade fica solto, o sistema vai se realimentando por si. Repetindo: a lei sozinha acaba com isso? Não, mas dá uma boa ajuda.
Muito maior e mais eficaz, por exemplo, do que se proibirem pura e simplesmente as doações lícitas de empresas para campanhas eleitorais na ilusão de que, assim, estará extinto o uso do caixa dois e, com ele, o ovo da serpente da corrupção no setor público.
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