FOLHA DE SP - 03/12
As iniciativas que Maduro adota parecem um grande disparate, mas podem lhe dar um triunfo eleitoral
A sabedoria convencional ensina que são puro disparate os atos com que o presidente venezuelano Nicolás Maduro conduz o que chama de "guerra econômica" contra os capitalistas malvados.
Afinal, "proibir a inflação", como o jornal espanhol "El País" tratou as primeiras medidas da "guerra", é uma tarefa fadada ao fracasso, como sabemos os brasileiros que acompanhamos os congelamentos da superinflação.
Mas é possível que a sabedoria popular destoe da convencional e contemple os dislates do presidente com número suficiente de votos para que o chavismo, agora encarnado em Maduro, consiga uma vitoria crucial nas eleições municipais de domingo.
Henrique Capriles, o líder oposicionista, tratou, desde o início da campanha, de caracterizar um pleito em tese secundário como um plebiscito sobre a gestão Maduro.
No domingo, Capriles considerou "a votação de 8 de dezembro como o freio que tem cada venezuelano para parar essa situação de destruição a que nos submete o governo".
Consciente de que corre o risco de perder o "plebiscito", Maduro prefere descaracterizá-lo, ao afirmar: "Temos presidente até 2019, governadores até 2016 e Assembleia Nacional [Parlamento] até 2015", disse, também no domingo.
É uma maneira de circunscrever o voto às prefeituras (de 335 municípios), "desnacionalizando-o".
Fácil de entender: se o governo perder na soma de votos, "a oposição estará fortalecida e em boa posição para tentar convocar um referendo revogatório dentro de dois anos", analisam David Smilder e Hugo Pérez Hernaiz, especialistas em Venezuela do Washington Office on Latin America.
Mais: "Maduro ficaria seriamente enfraquecido como sucessor de Chávez e provavelmente seria desafiado por outros líderes do chavismo".
Até outubro, as pesquisas indicavam que a "oposição tinha uma oportunidade de ouro para ganhar com diferença moderada, devido à queda de popularidade do presidente", como escreveu ontem para "El Universal" Luis Vicente León, diretor do Datanalisis, o mais respeitado instituto de pesquisas da Venezuela.
Depois de iniciada a "guerra econômica", León subiu no muro:
"Os acontecimentos recentes, em que Maduro endurece o jogo, sua intensa utilização de cadeias nacionais [de TV], sua passagem da retórica à ação, a identificação e as represálias contra os culpados', com o que desvia a atenção de sua própria responsabilidade por políticas econômicas desacertadas, (...), a apresentação midiática de provas' de atos inadequados que sabemos que existem, poderiam jogar a seu favor em termos de popularidade, embora continue sendo incerta a capacidade dessas ações para preencher o vazio que a crise havia criado em sua relação com as massas".
No Brasil de 1986, a pirotecnia econômica deu certo eleitoralmente, a ponto de, pela primeira vez na história, um partido (o PMDB) ter feito a maioria absoluta do Parlamento e eleito todos os governadores, menos um. Depois, é verdade, veio o desabamento --mas Maduro, por enquanto, só precisa do primeiro momento. A conferir.
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