O Estado de S.Paulo - 05/12
Quem lê meus artigos sabe da minha indisposição quanto ao uso do termo "pibinho" como referência às baixas taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) brasileiro. E o recente anúncio de outras taxas desse tipo é mais uma oportunidade de insistir na pregação, pois cresceu a presença do termo no noticiário. Um argumento é que o PIB é número absoluto e sua taxa de variação ao longo do tempo é um conceito relativo em que o valor do PIB num período é comparado ao de outro período no passado.
Ademais, em cada medição várias taxas de variação são aferidas, como a do PIB num trimestre relativamente ao trimestre anterior, ou ao mesmo trimestre do ano precedente. No recente anúncio do PIB do terceiro trimestre deste ano o IBGE enfatizou quatro taxas, uma delas negativa, a correspondente ao que chamou de "Tri/tri anterior". Assim, quem fala do tal "pibinho" precisaria explicar também o que é um "pibinho negativo".
E mais: o Brasil tem mesmo é um "Pibão", o sexto ou sétimo entre os quase 200 países do mundo. Mas como o País é também um dos maiores em população, o nosso PIB por habitante o deixa entre os de nível médio que sonham juntar-se ao grupo dos ricos. O valor do PIB no terceiro trimestre deste ano foi R$ 1.213.400.000.000,00! "Pibinho"?
Mas o "pibinho" pegou e, consultando o Google, vi que em 0,17s ele levantou cerca de 800 mil referências ao termo. Há até charges em que o "pibinho" é mostrado como uma criancinha ou como um cão de porte diminuto. Porcentagens integram os desenhos dos cães mostrados proporcionalmente ao seu tamanho, mas nunca vi cachorro com nome de porcentagem, embora 10% fosse um número cabível, pois é parte da cultura nacional.
Na terça-feira o anúncio do PIB trimestral no Jornal Nacional pelo menos corrigiu um antigo erro da Globo. Ela teimava em anunciar o PIB como "a soma das riquezas nacionais". Ora, tal soma incluiria, por exemplo, o prédio onde moro, parte do PIB de um ano perto de 1960. Desta vez a referência foi ao valor total dos bens e serviços produzidos pelo País num determinado período de tempo. Caberia adicionar que a medição é pelo "valor adicionado em cada estágio das cadeias produtivas", mas quem iria entender isso?
Os resultados do PIB do terceiro trimestre estão em muitas manchetes e reportagens e são mais um capítulo de uma novela ainda sem final feliz. Ficando apenas no resultado acumulado nos últimos quatro trimestres relativamente aos quatro trimestres anteriores, que dá uma ideia aproximada do que será a taxa no final do ano, a taxa calculada foi de 2,3%. Como só resta um trimestre para fechar 2013, esse número prenuncia outra taxinha anual para o Pibão que teima em não crescer mais rápido e satisfatoriamente.
Desta vez o que mais me chamou a atenção foi que duas altas autoridades do governo federal, inclusive a maior delas, poucos dias antes do recente anúncio pelo IBGE se equivocaram ao falar sobre as novas taxas de variação do PIB que viriam, juntamente com a retificação de outras já anunciadas no passado.
O ministro Guido Mantega, da Fazenda, continuou insistindo em previsões com o viés otimista de seu agrado. Na divulgação do PIB trimestral anterior, do segundo trimestre de 2013, em setembro, até que veio uma taxona, de 1,5% relativamente ao trimestre anterior. Mas sem sustentação, pois em larga medida refletia especificidades do trimestre, como o ótimo desempenho dos agronegócios na época de safra. Na ocasião Mantega empolgou-se e disse: "O pior já passou. O fundo do poço foi superado (...)".
Um dia antes do recente anúncio do IBGE ele ainda mantinha essa visão ao dizer que "o crescimento do terceiro trimestre está projetado em 2,5%, ante o mesmo período de 2012, e fica claro que vivemos uma recuperação do que foi o fundo do poço, em 2012". Bem, essa taxa foi de 2,2%, na esteira da taxa negativa do trimestre relativamente ao trimestre anterior, muito distante da recuperação vivenciada pelo ministro.
Quem também se saiu mal na foto foi a presidente Dilma Rousseff, que numa entrevista ao jornal espanhol El País, no mês passado, disse que a taxinha anual do PIB de 2012, calculada pelo IBGE em 0,9%, seria reavaliada para 1,5%. Veio a reavaliação, mas quase insignificante, elevando a taxa anterior para 1%.
Errar é humano, mas erros ministeriais ou presidenciais diminuem a confiança nas autoridades governamentais e na sua política econômica, agravando o descrédito com que esta já é vista nos meios financeiros e empresariais em geral. Assim, minha indisposição contra esses erros se volta também para suas implicações.
Quanto aos erros em si, há uma questão metodológica que só aprendi quando estudava para ensinar, pois quem é professor estuda muito mais que quando aluno. E lecionei Estatística Econômica e Econometria, o que em parte explica esses cacoetes meus contra o "pibinho" e a menção do PIB como a soma das riquezas nacionais. Aprendi então que não se deve fazer uma previsão expressa apenas por um número, como as do ministro Mantega e praticadas também no mercado financeiro. A previsão deve ser feita por intervalos, em face das incertezas que cercam o futuro a que ela se refere.
Suponhamos que as previsões da variação anual do PIB de 2013 sejam feitas apenas por números de uma casa decimal. Ora, de 2% a 2,5%, onde está a maioria das previsões dos analistas, há seis desses números e prever apenas um deles seria como jogar um dado, caso em que a probabilidade de acerto é só de uma em seis jogadas. Assim, quem se fixar na previsão de apenas um número terá maior probabilidade de errar.
Portanto, autoridades governamentais deveriam evitar previsões, mas, se optarem por fazê-las, deveriam usar intervalos, o que reduziria bastante seu risco de erro.
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