FOLHA DE SP - 20/11
SÃO PAULO - Não resisto a comentar a reportagem de Samy Adghirni sobre o comércio legal de rins no Irã. Já defendi aqui que faria sentido liberar a venda de órgãos humanos, para estimular a oferta e eliminar as filas. Embora tenha sido xingado na ocasião, insisto no tema, que é relevante e merece reflexão.
Numa perspectiva puramente consequencialista, não haveria por que pestanejar. Quem recebe o rim se sai obviamente bem, ainda que fique mais pobre. O vendedor também se considera ganhador, ou não faria a transação. O Estado e, por extensão, o contribuinte também auferem vantagens, já que um transplante renal se paga com apenas três anos de diálise. Até o paciente que não tem recursos para comprar um órgão se beneficia com a redução das filas.
As objeções práticas que normalmente se levantam dizem sempre respeito ao vendedor. Numa versão forte delas, afirma-se que ele sacrifica a sua saúde para sucumbir a uma chantagem econômica.
Obviamente é melhor não ser submetido a nenhuma operação e conservar os dois rins do que ter um deles extraído, mas um estudo da Johns Hopkins que acompanhou 80 mil doadores ao longo de 15 anos revela que o risco de ceder o órgão é bem diminuto. É certamente menor do que o de exercer algumas profissões que estão regulamentadas em lei.
O argumento da pressão econômica é poderoso. Na verdade, poderoso demais. Ele, afinal, se aplica não só a quem vende um rim mas a qualquer pessoa que execute alguma atividade para assegurar seu sustento, da prostituta ao trabalhador assalariado. Se o levarmos muito a sério, teríamos de rever não só o capitalismo como a própria noção de comércio.
Restam, é claro, as críticas de caráter mais moral. Como não tenho mais muito espaço, apenas pergunto qual a lógica de exigir que a cessão de um órgão se dê por altruísmo, quando quase tudo na medicina e no mundo é intermediado por dinheiro.
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