FOLHA DE SP - 20/11
Projeto abria as portas para a farra da fragmentação administrativa, contida em 1996. Risco não está totalmente sob controle: Congresso pode reverter decisão presidencial
Foi uma boa demonstração de zelo com a sustentabilidade fiscal a decisão da presidente Dilma Rousseff de vetar o projeto de lei que permitia a criação de novos municípios, irresponsavelmente aprovado no mês passado pelo Congresso. São definitivos os argumentos contidos na mensagem presidencial que justificou a derrubada dessa investida parlamentar contra o bom senso. Se fosse sancionado, o projeto daria a Assembleias Legislativas carta branca para expandir a base de municípios nos estados, com o decorrente aumento de despesas para a manutenção da estrutura administrativa das novas cidades — uma sangria sem a contrapartida de receitas equivalentes, em flagrante desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Após a flexibilização das regras para a criação de novos municípios, consagrada em 1988 pela Constituição, o país ganhou em menos de dez anos duas mil novas cidades. Um evidente exagero, em razão do custo da manutenção de prefeituras, câmaras municipais e demais aparato burocrático (funcionários, gastos com serviços públicos etc.). Como se tem visto ao longo dos anos, a maioria dessas cidades tem como praticamente única fonte de custeio repasses federais. Também não houve o correspondente aumento da eficiência na prestação de serviços à população das áreas desdobradas. Em geral, deu-se tão somente a multiplicação de feudos políticos, em benefício de interesses políticos cartoriais. Contida em 1996, uma nova versão da farra estava contemplada no projeto em boa hora vetado.
O país tem pouco mais de 5.500 cidades, das quais a esmagadora maioria vive em crônica dependência de verbas distribuídas pela União. Essa circunstância é um forte argumento contra a fragmentação administrativa, seja dentro do modelo atual, com limites mais rígidos para a criação de novas prefeituras, e muito menos à luz do espírito liberalizante do texto aprovado no Congresso. A propósito, veja-se recente pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de janeiro (Firjan), com um revelador perfil dos municípios brasileiros: com base em dados fiscais declarados à Secretaria do Tesouro Nacional por 5.266 das 5.565 cidades, onde vivem 96% da população do país, a entidade constatou que 65% delas estão em situação fiscal difícil ou crítica. Apenas 2% aparecem com excelência de gestão. Além de avaliar números oficiais, a pesquisa da Firjan considerou cinco quesitos: receita própria, gasto com pessoal, liquidez, investimentos e custo da dívida.
Esta é a realidade dos municípios pouco mais de dez anos após a aprovação da LRF, balizadora da administração pública brasileira. São números de um perfil preocupante. A decisão de Dilma não encerra de vez a questão, pois o Congresso, que patrocina o projeto, ainda pode derrubar o veto. Um alerta para que as vozes mais responsáveis do Legislativo em Brasília se mantenham em guarda.
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