Há um visível desconforto dos analistas das agências de risco, de economistas nacionais e de organismos internacionais (FMI, OCDE e outros), com relação à relação dívida pública/PIB, a começar pelo seu cálculo. Em agosto, o FMI a estimava em 64,8% (a projeção para o ano era de 68,3%) e o BC em 59,1%.
A diferença diz respeito a papéis do Tesouro em poder do BC que estão fora do mercado, e cujo rendimento, quando apropriado, é integralmente revertido ao Tesouro. Como o FMI faz comparações com outros países, é compreensível que tenha regras universais, mas é razoável que abra espaço para particularidades de cada um, desde que eles não introduzam distorções na avaliação do fenômeno que se pretende medir.
O documento apresentado ao FMI por Márcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é de tal clareza que deve convencer seus técnicos que nossa medida não introduz qualquer viés nas comparações internacionais. Não se trata de um nível de dívida que ponha em risco sua solvabilidade, porque ela é basicamente em moeda nacional, mas é alta quando comparada à de 35% dos países emergentes. O inconveniente é não dar espaço para eventual política fiscal anticíclica, além de pressionar a taxa de juros real e redistribuir aos credores quase 6% do PIB ao ano.
Parte da dívida bruta corresponde à acumulação de reservas (hoje em torno de US$ 370 bilhões), uma vez que não existe poupança pública para financiá-la. Outra, superior a 9% do PIB, refere-se à transferência de mais de R$ 300 bilhões ao BNDES, emprestados a taxas de juros subsidiadas pelo Tesouro.
O maior desalento interno e externo não é com o nível atual da dívida bruta/PIB, mas com a série de medidas que seguramente vão aumentá-lo, como, por exemplo, a renegociação das dívidas dos entes federados em discussão no Congresso. As suas taxas de juros deveriam ser ajustadas para o futuro, reconhecendo as novas condições da economia, mas sem facilitar, e até estimular, a ampliação de novo endividamento. Isso viola, senão de fato, o que pode ser discutido, pelo menos o "espírito" da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa é o último "garante" da União contra a "fúria gastadora" que alimenta os poderes incumbentes das unidades federadas.
Com um presidencialismo de coalizão e 32 partidos, quem precisa do constrangimento da LRF para exercê-la é a União. Sem sua proteção, ficará cada vez mais difícil resistir às investidas como a do "Orçamento impositivo", que não é uma má ideia, sob uma condição: a receita ser tecnicamente fixada e receber a "benção" do Congresso antes da discussão do Orçamento. Se isso não for feito, a receita será, sempre, a variável de ajuste para acomodar as emendas parlamentares sobre as quais o ordenador da despesa não terá o menor controle.
Talvez seja interessante tentar entender quais os fatores que influenciam a dinâmica da evolução da relação dívida bruta/PIB. Um exemplo para concretizar as ideias. A estimativa do IBGE para PIB nominal de 2011 é de R$ 4,14 trilhões. Como o crescimento do PIB real em 2012 foi de 0,9% e a taxa de inflação geral (não a do IPCA) foi de 5,3%, o PIB nominal de 2012 está estimado em: 1) PIB nominal de 2011 (R$ trilhões) = 4,14; 2) crescimento real (0,09 de 4,14) = 0,04, soma = 4,18; 3) efeito da inflação (5,3% de 4,18) = 0,22; PIB nominal de 2012 = R$ 4,40 trilhões. A variável que nos interessa é a relação entre a dívida bruta nominal e o PIB nominal. É evidente que a dívida bruta nominal em 2012 será igual à de 2011, somada aos seus juros pagos em 2012 e deduzida do superávit primário, que é o recurso do Orçamento para pagar os juros. Se dividirmos essa relação pelo PIB nominal de 2012, a chamarmos de "b", e realizarmos alguns algebrismos chegamos à relação: b2012 = (r - g)b2011 - s2012 , bastante aproximada para pequenos valores de r = taxa de juros real de 2012; g = taxa de crescimento do PIB real e, onde s2012 é o superávit primário/PIB.
Ela é a soma das três componentes que controlam a dinâmica da dívida: 1) r(b2011), que é o efeito positivo do juro, que talvez cresça em 2013; 2) g(b2011), que é o efeito negativo do crescimento, que talvez diminua; e 3) s2012, que é o efeito positivo do esforço fiscal: o superávit primário com relação ao PIB nominal, que precisa crescer para compensá-los.
Os dois primeiros efeitos dependem indiretamente da qualidade da política econômica, mas não estão sob controle do poder incumbente. O que depende dele é apenas o esforço fiscal, que está diminuindo, como mostra o gráfico. Essas considerações sugerem que devemos prestar atenção às preocupações internas e externas com relação ao aumento das despesas públicas, porque podemos ser surpreendidos com movimentos adversos dos mercados, com sérios custos sociais e econômicos. Hoje não há nada trágico, mas é melhor prevenir do que remediar...
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