O Estado de S.Paulo - 04/11
Amanhã, Bill de Blasio vai ser eleito prefeito de Nova York e pode quebrar um recorde. Se confirmada a vantagem de 45 pontos sobre o republicano Joe Lhota registrada nas últimas pesquisas, o democrata De Blasio pode conseguir a maior margem de vitória de um novo prefeito na história da cidade.
Este apoio maciço a um político com pouca experiência executiva que hoje ocupa um cargo quase simbólico, o de Public Advocate, uma espécie de ombudsman da prefeitura, reflete uma rejeição.
Os nova-iorquinos estão dizendo "já vai tarde" a Michael Bloomberg, o bilionário que comprou seu terceiro mandato arrancando da câmara municipal uma exceção para a lei que impedia sua segunda reeleição e governou a cidade por 12 anos. Bloomberg representa a nova plutocracia americana. Ele é o tecnocrata que governa com a independência de sua fortuna.
Dois dos mais detestados plutocratas americanos, os irmãos Koch, do império industrial homônimo, tentaram impedir a eleição de De Blasio despejando dinheiro até os 45 do segundo tempo. Há poucos dias, David Koch assinou um cheque de 200 mil dólares para a exibição de um anúncio pró Joe Lhota em espanhol.
Apesar de ter contado com a presença e os endossos de Barack Obama, Bill e Hillary Clinton, De Blasio, que afiou suas garras eleitorais chefiando a campanha de Hillary para o Senado, não se apresentou como o centrista que são seus padrinhos. Fez campanha com um populismo transparente como há décadas não se via nesta metrópole.
O próximo prefeito diz o que não é novidade para os eleitores, mas é tabu no cenário eleitoral americano: Nova York se tornou um playground de banqueiros de Wall Street, bilionários russos e turistas. Numa cidade em que dois terços dos domicílios são ocupados por inquilinos, um salário de classe média em Manhattan só dá para alugar um armário embutido. Quase metade dos habitantes vive no limite ou abaixo do nível de pobreza. A população de homeless explodiu e a educação, grande bandeira de Bloomberg, continua, em vários bairros, a ser um luxo, tal o estado do sistema escolar público. E, num tempo em que sugerir aumento de impostos equivale a cometer haraquiri político, De Blasio avisou: pretende morder 4% da renda de quem ganha acima de meio milhão de dólares por ano para financiar a educação pública pré-escolar. O novo prefeito promete também quebrar outro tabu, trocando o comando da maior e mais bajulada força policial do Ocidente, NYPD.
Raymond Kelly primeiro comandou a polícia de Nova York de 1992 a 1994, sob o primeiro prefeito negro da cidade, David Dinkins, que nunca recebe o crédito devido por ter começado a diminuir o índice de crime hoje ainda em baixa histórica. Kelly voltou ao cargo em 2002, logo depois do 11 de Setembro e administrou, além do combate ao crime, a formação da maior unidade de inteligência municipal do país, uma pequena CIA independente da agência federal.
Com a renúncia da secretária de Segurança doméstica, Janet Napolitano, Barack Obama namorou a ideia de instalar Ray Kelly como seu sucessor. Seria uma cereja no bolo da carreira do xerife Kelly. Mas o primeiro presidente negro esbarrou num obstáculo racial. Uma série premiada de reportagens investigativas da Associated Press revelou que a NYPD havia designado mesquitas grupos terroristas, gravando sermões de imãs e plantando informantes entre muçulmanos sem a menor suspeita de atividade criminosa.
Este ano, a prática conhecida como stop and frisk, deter e revistar, comemorou 5 milhões de abordagens de nova-iorquinos, a esmagadora maioria negros e latinos. A tática, da qual o xerife Kelly se orgulha, é objeto de uma ação civil. Ninguém melhor para denunciá-la num vídeo da campanha do ítalo-alemão De Blasio do que Dante, seu filho negro adolescente.
Mudança e esperança, aqueles slogans cada vez mais desbotados da campanha presidencial de 2008, vão dar um mandato a Bill de Blasio.
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