O GLOBO - 04/11
A progressiva desindustrialização da economia brasileira resulta de um acúmulo de erros de natureza macroeconômica. O protecionismo do regime militar, no exato momento em que se iniciava uma revolução tecnológica nas áreas de computação, informática e comunicações, foi um desastre histórico. O subsequente mergulho no caos da hiper inflação, aumentando a incerteza e encurtando os horizontes de investimento, aprofundou o fenômeno de nossa desindustrialização. E finalmente o erro clássico de expandir os gastos públicos ao longo de décadas de combate à inflação, administrando-se doses equivocadas de políticas fiscal e monetária, condenou ao declínio uma indústria brasileira já diversificada, mas ainda emergente. O excesso de impostos, os juros estratosféricos e o câmbio sobrevalorizado derrubaram nossa competitividade nos mercados globais.
São bilhões de trabalhadores asiáticos sem encargos sociais e trabalhistas. Os juros estão baixíssimos em todo o mundo, enquanto no Brasil estamos voltando aos dois dígitos. E os impostos excessivos que incidem sobre as empresas reduzem sua lucratividade e a geração de recursos próprios para financiar seus investimentos. Tudo isso retarda dramaticamente o ritmo de acumulação de capital na indústria. O ex-presidente Juscelino Kubitschek tinha como proposta de governo fazer 50 anos em 5. Pois bem, neste ambiente hostil, nossa indústria precisa de 50 anos para financiar o que deveria investir em 5. Enquanto isso, com os juros de volta a 10% ao ano comparados com 0,25% anual nos EUA, rentistas fariam 40 anos em apenas 1, se o governo tivesse sucesso em estabilizar o câmbio com vendas maciças de reservas pelo Banco Central.
Mas há também neste início de século uma nova dimensão que induz à desindustrialização progressiva como fenômeno global. As novas tecnologias não apenas tomaram mais eficientes, mas estão reinventando os processos produtivos. Desde a especificação do produto até sua fabricação com ferramentas digitais de impressão tridimensional e corte a laser, há uma nova revolução tecnológica desindustrializando a economia mundial. O preocupante é que, diferentemente do Brasil, nos países avançados as velhas indústrias passaram de um terço da economia antes de iniciarem seu recuo. Mesmo nos Estados Unidos - onde houve enorme transferência de fábricas em busca dos baixos custos asiáticos, e os empregos nas indústrias de manufatura estão no ponto mais baixo dos últimos 100 anos, tanto em termos absolutos quanto em percentagem da população economicamente ativa -, um quarto da economia ainda consiste em produção industrial.
Se por um lado a reinvenção da indústria com as novas tecnologias digitais nos oferece uma extraordinária oportunidade de renovação por meio de um mergulho digital, por outro lado estamos sob a estranha ameaça de sermos desindustrializados antes mesmo de completarmos nosso processo de industrialização. A formação da classe média ocidental está associada a esse histórico processo de industrialização. A transferência acelerada da população rural para grandes centros urbanos em uma janela comprimida de tempo reedita-se agora na China. O Brasil já é urbano e industrializado. Mas tem ainda uma classe média emergente. Teremos de reformar o macroambiente e reinventar nossa indústria para criar uma dinâmica de crescimento sustentável.
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