GAZETA DO POVO PR - 08/10
O shutdown serve de aviso: mesmo a grande nação americana não é um lugar totalmente livre de riscos para investimentos financeiros
Nos Estados Unidos, o valor total que a dívida pública pode atingir é fixado pelo Poder Legislativo, e a premissa para a imposição de um teto é que o Poder Executivo não pode ser livre para gastar mais do que arrecada indefinidamente, cujos déficits anuais são cobertos com dinheiro emprestado do público interno e do mundo inteiro. Assim, pode-se argumentar que o Congresso é corresponsável pelo tamanho da dívida pública, pois os orçamentos anuais são aprovados pelo Poder Legislativo; logo, o déficit é aquele autorizado por lei votada por deputados e senadores.
Em sentido geral, a prática de a proposta orçamentária ser feita pelo Executivo e enviada ao parlamento para aprovação não varia muito nas democracias ocidentais. Cabe ao governo elaborar uma proposta com estimativa das receitas e fixação das despesas, explicitando em que áreas e programas a arrecadação tributária será aplicada. A proposta é analisada pelo Poder Legislativo e o orçamento final aprovado sai do parlamento com definição do resultado final, na maioria das vezes com previsão de um déficit nominal a ser financiado pela expansão da dívida pública.
Ocorre que, no caso dos Estados Unidos, uma lei define o teto máximo da dívida pública – valor que, atualmente, está em US$ 16,7 trilhões, equivalente a 100% do Produto Interno Bruto (PIB) de um ano. Os déficits anuais podem ser financiados com emissão de títulos, alguns com prazo de vencimento indeterminado – ou seja, nunca vencem –, e a dívida vai se acumulando ano a ano, de maneira a formar um estoque crescente de passivo estatal. Como é normal em qualquer dívida, os empréstimos para o tesouro nacional dos Estados Unidos implicam a cobrança de juros, levando os orçamentos anuais a destinar parte da arrecadação para o pagamento de juros.
Um aspecto essencial na teoria da dívida pública é que, quando um governo gasta mais do que arrecada em determinado ano, ele joga sobre as gerações futuras a conta de um serviço ou investimento público feito para as gerações do presente. Se o endividamento é feito para pagar obras de infraestrutura, as gerações futuras pagarão a conta, mas também usufruirão das obras, e isso é normal e aceitável. Entretanto, quando o governo faz dívida para pagar déficits decorrentes de serviços públicos consumidos apenas pelas gerações do presente, os contribuintes futuros acabam pagando uma conta cujos benefícios eles não tiveram.
Embora não seja comum os países fazerem distinção entre endividamento público para investimento e endividamento para gastos correntes, a existência de limite para o déficit orçamentário anual é pressionado, como no caso dos EUA, pelo teto máximo admitido para a dívida pública. Assim, caso o governo leve a dívida até o teto permitido, acaba ali a possibilidade de seguir gastando mais do que arrecada e, no caso dos EUA, isso obriga o governo a desligar os cofres – o shutdown que agora presenciamos.
O problema de chegar-se a essa situação – e Obama afirma que, no dia 17 de outubro, o teto da dívida será atingido – é a tragédia financeira imposta à economia mundial, pois os títulos públicos norte-americanos são comprados por investidores do mundo inteiro, inclusive pelo Brasil, que chegou a acumular US$ 200 bilhões em títulos daquele país. Conforme disse o presidente Obama, se o Congresso não aprovar a elevação do teto da dívida, o governo deixará de pagar títulos públicos vincendos.
Adicionalmente, nos EUA, caso o impasse realmente ocorra, o governo ficará impedido de fazer pagamentos essenciais para a saúde e, inclusive, salários de funcionários. O shutdown é uma espécie de desligamento das chaves que fazem o governo funcionar. A gravidade do problema norte-americano tem como origem a crise financeira que eclodiu em 2008 e obrigou o governo a socorrer as instituições envolvidas com o colapso imobiliário – a crise dos empréstimos subprime.
O pano de fundo da crise entre o governo Obama e o Poder Legislativo é a reforma do sistema de saúde que, até hoje, não foi digerida pelos representantes do Partido Republicano. Isso, porém, foi apenas o estopim que desencadeou uma série de conflitos entre o presidente e o parlamento. E, como já ocorreu em outras oportunidades, a crise está sendo levada até seu último momento, deixando o mundo em suspense e alertando que mesmo a grande nação americana não é um lugar totalmente livre de riscos para investimentos financeiros.
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