O GLOBO - 08/10
O país deve priorizar os interesses nacionais permanentes sobre os objetivos de curto prazo
Estava em Washington, liderando uma delegação empresarial da seção brasileira do Conselho Empresarial Brasil-EUA, no dia em que os presidentes dos dois países decidiram anunciar o adiamento da visita de Estado de Dilma Rousseff.
Parece não haver dúvida que o adiamento foi a melhor solução para evitar maiores constrangimentos aos dois presidentes. Não se podia ignorar o risco de que, enquanto a presidente brasileira estivesse na Casa Branca, fossem divulgadas novas informações sigilosas do governo brasileiro. A decisão final do governo brasileiro evitou o radicalismo proposto pelo PT que, além do cancelamento da visita, queria a retirada do embaixador em Washington e a expulsão de elementos da NSA e da CIA lotados na Embaixada dos EUA em Brasília.
Dada a importância das visitas de Estado na liturgia do poder nos EUA, deverá haver repercussões de curto prazo no relacionamento bilateral. O pronunciamento da presidente nas Nações Unidas não terá ajudado a diminuir o impacto negativo. O que fará o governo brasileiro, caso o pedido público de desculpas dos EUA e as explicações satisfatórias não venham? Como ficarão as relações entre os dois países?
O adiamento reflete também a baixa prioridade política e diplomática que os dois países atribuem hoje à sua relação bilateral. Do lado do Brasil, nos últimos doze anos, por considerações ideológicas e partidárias, as prioridades são as relações Sul-Sul, com destaque para a América do Sul, África e os Brics. De parte dos EUA, em virtude da ausência de ameaças à segurança nacional e de o seu foco estar voltado para a China e para o Oriente Médio, a América do Sul e o Brasil estão fora dos radares dos formuladores de política de Washington.
De forma pragmática, Washington e Brasília deveriam dar um tratamento de choque na relação entre os dois países. Novas ideias — e não apenas os assuntos rotineiros que há anos frequentam a agenda dos dois governos — deveriam ser trabalhadas, com o setor privado.
O presidente Obama declarou que o México e o Brasil deveriam ser tratados de forma diferenciada. Não sei se agora o governo americano ainda está interessado nisso. Em caso positivo, poderia estender ao país o mesmo tratamento dispensado a Índia, Coreia e Turquia. Nestes casos, prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o Brasil nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores sensíveis, como inovação, defesa, espaço e nuclear. Nessas áreas, o Brasil, para não continuar fora desse mercado por restrições e controles à exportação de produtos, serviços e tecnologia de uso dual, poderia ser incluído na lista de países que se beneficiam de isenções de licenças de exportação ou que negociaram acordos de cooperação.
Como ocorreu com outros países europeus, Índia e México, também afetados pela espionagem dos EUA, espera-se que o Brasil priorize na relação com Washington os interesses nacionais permanentes sobre os objetivos ideológicos e partidários de curto prazo.
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