FOLHA DE SP - 29/10
Com ou sem black blocs, reações enfurecidas a 'coisas do governo' tornam-se comuns em SP e no Rio
DESDE A TARDE de domingo e até a noite de ontem, ônibus e caminhões são incendiados e o comércio é depredado, entre outras manifestações de violência e protestos num bairro em geral conservador e de pequena classe média da zona norte da cidade de São Paulo, a Vila Medeiros, próxima da Vila Maria um dia janista, caricatura do conservadorismo paulistano.
O tumulto aparentemente se deve ou inicialmente se deveu à morte estúpida de um rapaz, morto por um policial militar, talvez por acidente.
A descrição vai na voz passiva mesmo porque não se sabe bem quem comete os incêndios e depredações, muito parecidas com os tumultos que ocorrem desde junho, em especial com os tumultos que ocorrem desde setembro em cidades grandes.
Antes de junho, a gente poderia comparar a irrupção de fúria a outros tumultos indignados contra violências da polícia, em geral mais comuns em bairros bem mais pobres, em geral mais comuns no Rio do que em São Paulo. Só que agora não.
Um dos clichês que ficaram das manifestações de junho é que "a pauta dos protestos era difusa".
Desde o arrefecimento das passeatas maciças, os protestos foram se tornando cada vez mais difusos, com pautas concentradas. Cada grupo de interesse, bairro, corporação ou qual fosse o fator agregador passou a sair às ruas. Em números menores, chamavam menos a atenção. Houve a impressão de arrefecimento, diluição, fim agônico de uma moda. Só que não.
A atuação do grupo dos mascarados, ditos black blocs, aumentou a temperatura midiática e tumultuária de protestos de grupos quaisquer. Não se pode dizer se por imitação ou pelo fato de compartilharem da mesma fúria contra a ordem, há grupos de pessoas sem relação visível com black blocs que demonstram sua indignação sem mais: botando para quebrar.
Parêntese: não temos uma palavra boa para o que se chama aqui de tumulto, entre outros motivos por não termos lá muita tradição de protestos de rua. Em inglês, temos "riot". Em francês "émeute". Ambos tratam de reações espontâneas e violentas a um abalo emocional coletivo.
Não se trata de dizer que há uma epidemia furiosa, adesão geral ou simpatia aos tumultos, ou que nome se dê à coisa. No entanto, com violências e tudo mais, ainda não há repúdio amplo ao que passa nas ruas.
Segundo pesquisa Datafolha publicada no domingo, desde junho está diminuindo o apoio aos "protestos" na cidade de São Paulo, mas o júri ainda não é decisivo. Pode ser que os transtornos à vida cotidiana, a insatisfação com violências e prejuízos expliquem a crescente desaprovação. Mas dois terços dos paulistanos ainda são "a favor" dos protestos. De quais protestos, não se sabe bem.
Pode ser que tenha sobrado a memória dos dias simpáticos e em geral alegres das passeatas de junho, daí a resistente aprovação dos "protestos".
Talvez. Pode ser que a paciência com uma ordem imóvel e estúpida tenha se esgotado. Algo se quebrou. Sem respostas visíveis de um Estado incompreensível e distante, "botar para quebrar" tenha se tornado atitude (mais ou menos) aceitável.
Não, não se trata de economia, perda de renda, desemprego. Nada disso é capaz de explicar essa, digamos, variação de humores. Que pode temperar a eleição de 2014.
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