O intenso debate sobre a deterioração fiscal e o aumento da dívida do setor público brasileiro ganhou, esta semana, a contribuição de dois organismos internacionais, com a divulgação dos relatórios da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). É crescente a preocupação com a política fiscal e seus reflexos sobre a dinâmica da dívida bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
O ingresso de organismos internacionais na discussão só realça o que vem sendo debatido no governo, na academia e nos mercados já há algum tempo.
Em um trabalho intitulado "Indicadores de Dívida Pública e Política Fiscal Recente", o economista Josué Alfredo Pellegrini, consultor legislativo do Senado, examina os três indicadores de endividamento - dívida líquida, dívida fiscal líquida e dívida bruta - para ter um diagnóstico mais acurado da real situação fiscal.
Ele conclui que apenas a dívida líquida - indicador preferencial do governo - caiu de 39,1% do PIB em dezembro de 2010 para 33,8% do PIB em agosto deste ano, e não por causa do rigor fiscal, mas pela desvalorização da taxa de câmbio ocorrida no período. Nas duas outras metodologias, a dívida cresce na medida que o superávit primário do setor público vai minguando.
A dívida fiscal - que é a medida da dívida líquida sem os efeitos do câmbio sobre as reservas e sem ajustes patrimoniais - no mesmo período subiu de 32,5% do PIB para 33,4% do PIB. A dívida fiscal informa qual seria a dívida líquida se ela fosse determinada apenas por decisões genuinamente fiscais e, em um dado período, ela equivale ao déficit público.
Assim, enquanto a dívida líquida caiu 5,3 pontos percentuais do PIB entre dezembro de 2010 e agosto deste ano, a dívida fiscal cresceu 0,9 ponto percentual do PIB.
A desvalorização cambial representou 5,9 pontos do PIB entre dezembro de 2010 e agosto de 2013 e explica, portanto, quase toda a diferença de 6,2 pontos entre a variação da dívida líquida e da dívida fiscal no período.
A dívida bruta - indicador preferido dos organismos internacionais e das agências de rating - deu um salto. De 61,6% do PIB em 2010 passou para 65,8% do PIB em agosto de 2013, segundo seus cálculos (que inclui Banco Central e exclui a base monetária).
O crescimento da dívida bruta decorre da aquisição de ativos. Em meados da década passada foram as reservas cambiais e, mais recentemente, os elevados aportes de recursos do Tesouro no BNDES. Primeiro, eles foram uma resposta aos efeitos recessivos da crise internacional de 2008-2009. Mais recentemente passaram a ser instrumento de intervenção do governo na alocação dos recursos da economia. O saldo dos créditos ao BNDES, que antes da crise global era de 0,5% do PIB, hoje é de 9,5% do PIB.
Em agosto de 2011, segundo Pellegrini, houve uma guinada na política fiscal simultânea à da política monetária. Em julho de 2011, o déficit público nominal era de 1,9% do PIB (resultado de superávit de 3,7% do PIB e de juros líquidos de 5,6% do PIB). Em outubro de 2008, um mês após o início da crise global, tinha caído para seu patamar mais baixo, 1,35% do PIB, após vários anos de superávit próximo dos 3,5% do PIB e taxa Selic decrescente.
Mesmo com as sucessivas reduções da taxa Selic entre agosto de 2011 e outubro de 2012 - de 12,5% para 7,25% ao ano - a queda dos juros líquidos devidos não compensou a redução do superávit primário. Como consequência, o déficit aumentou e chegou a 3,12% do PIB em agosto de 2013.
Nos últimos meses, na visão do economista, pode estar se iniciando uma nova fase de coexistência entre juros crescentes e superávit decrescente. Se esse cenário se confirmar, o déficit público pode extrapolar o patamar de 3% do PIB, avalia.
O aumento do déficit fará com que a dívida fiscal suba mais rapidamente e impactará negativamente a própria dívida líquida, embora essa também dependa do câmbio.
O FMI, na parte do relatório divulgado quarta feira em que faz uma análise das condições fiscais do país, considera imperativa a recuperação do superávit primário para conter a dívida numa dinâmica sustentável. Os técnicos do fundo apresentam um conjunto de simulações com superávits primários de 3,1%, de 2% e de 1% do PIB e a probabilidade de seus efeitos sobre a dinâmica da dívida bruta até 2025.
Com superávit de 1% do PIB, haveria 50% de chance da dívida chegar a 66% do PIB. Com 2%, a chance da dívida cair para 50% do PIB seria de 75%. E a manutenção de um superávit de 3,1% do PIB, que vinha ocorrendo antes da guinada expansionista, elevaria para 90% a probabilidade de a dívida cair para 31% do PIB - patamar que colocaria o Brasil, lá por 2025, em linha com os países emergentes do G-20.
Já o trabalho da OCDE, além de críticas à gestão fiscal, propõe que o governo brasileiro adote uma meta para as despesas públicas - cujo crescimento tem se acelerado - em substituição ao superávit primário, para evitar os efeitos do ciclo econômico que se concentram na receita.
A discussão sobre a política fiscal e o nível de endividamento do setor público brasileiro tem duas dimensões: a do impacto do gasto público sobre a demanda agregada e seus efeitos sobre os preços; e a de solvência do setor público.
Desde 2002, quando da eleição de Lula para a Presidência da República, não se fala no país em risco de o governo não conseguir honrar seus compromissos. A confluência de tantos alertas vindos de dentro e de fora do país indica que a preocupação começa a se deslocar para o questionamento de solvência.
No governo, é visível a mudança do discurso. Falta, no entanto, identificar a mudança da prática. Colocar a mínima dúvida quanto à solidez das finanças públicas a essa altura seria um pesadelo.
O ingresso de organismos internacionais na discussão só realça o que vem sendo debatido no governo, na academia e nos mercados já há algum tempo.
Em um trabalho intitulado "Indicadores de Dívida Pública e Política Fiscal Recente", o economista Josué Alfredo Pellegrini, consultor legislativo do Senado, examina os três indicadores de endividamento - dívida líquida, dívida fiscal líquida e dívida bruta - para ter um diagnóstico mais acurado da real situação fiscal.
Ele conclui que apenas a dívida líquida - indicador preferencial do governo - caiu de 39,1% do PIB em dezembro de 2010 para 33,8% do PIB em agosto deste ano, e não por causa do rigor fiscal, mas pela desvalorização da taxa de câmbio ocorrida no período. Nas duas outras metodologias, a dívida cresce na medida que o superávit primário do setor público vai minguando.
A dívida fiscal - que é a medida da dívida líquida sem os efeitos do câmbio sobre as reservas e sem ajustes patrimoniais - no mesmo período subiu de 32,5% do PIB para 33,4% do PIB. A dívida fiscal informa qual seria a dívida líquida se ela fosse determinada apenas por decisões genuinamente fiscais e, em um dado período, ela equivale ao déficit público.
Assim, enquanto a dívida líquida caiu 5,3 pontos percentuais do PIB entre dezembro de 2010 e agosto deste ano, a dívida fiscal cresceu 0,9 ponto percentual do PIB.
A desvalorização cambial representou 5,9 pontos do PIB entre dezembro de 2010 e agosto de 2013 e explica, portanto, quase toda a diferença de 6,2 pontos entre a variação da dívida líquida e da dívida fiscal no período.
A dívida bruta - indicador preferido dos organismos internacionais e das agências de rating - deu um salto. De 61,6% do PIB em 2010 passou para 65,8% do PIB em agosto de 2013, segundo seus cálculos (que inclui Banco Central e exclui a base monetária).
O crescimento da dívida bruta decorre da aquisição de ativos. Em meados da década passada foram as reservas cambiais e, mais recentemente, os elevados aportes de recursos do Tesouro no BNDES. Primeiro, eles foram uma resposta aos efeitos recessivos da crise internacional de 2008-2009. Mais recentemente passaram a ser instrumento de intervenção do governo na alocação dos recursos da economia. O saldo dos créditos ao BNDES, que antes da crise global era de 0,5% do PIB, hoje é de 9,5% do PIB.
Em agosto de 2011, segundo Pellegrini, houve uma guinada na política fiscal simultânea à da política monetária. Em julho de 2011, o déficit público nominal era de 1,9% do PIB (resultado de superávit de 3,7% do PIB e de juros líquidos de 5,6% do PIB). Em outubro de 2008, um mês após o início da crise global, tinha caído para seu patamar mais baixo, 1,35% do PIB, após vários anos de superávit próximo dos 3,5% do PIB e taxa Selic decrescente.
Mesmo com as sucessivas reduções da taxa Selic entre agosto de 2011 e outubro de 2012 - de 12,5% para 7,25% ao ano - a queda dos juros líquidos devidos não compensou a redução do superávit primário. Como consequência, o déficit aumentou e chegou a 3,12% do PIB em agosto de 2013.
Nos últimos meses, na visão do economista, pode estar se iniciando uma nova fase de coexistência entre juros crescentes e superávit decrescente. Se esse cenário se confirmar, o déficit público pode extrapolar o patamar de 3% do PIB, avalia.
O aumento do déficit fará com que a dívida fiscal suba mais rapidamente e impactará negativamente a própria dívida líquida, embora essa também dependa do câmbio.
O FMI, na parte do relatório divulgado quarta feira em que faz uma análise das condições fiscais do país, considera imperativa a recuperação do superávit primário para conter a dívida numa dinâmica sustentável. Os técnicos do fundo apresentam um conjunto de simulações com superávits primários de 3,1%, de 2% e de 1% do PIB e a probabilidade de seus efeitos sobre a dinâmica da dívida bruta até 2025.
Com superávit de 1% do PIB, haveria 50% de chance da dívida chegar a 66% do PIB. Com 2%, a chance da dívida cair para 50% do PIB seria de 75%. E a manutenção de um superávit de 3,1% do PIB, que vinha ocorrendo antes da guinada expansionista, elevaria para 90% a probabilidade de a dívida cair para 31% do PIB - patamar que colocaria o Brasil, lá por 2025, em linha com os países emergentes do G-20.
Já o trabalho da OCDE, além de críticas à gestão fiscal, propõe que o governo brasileiro adote uma meta para as despesas públicas - cujo crescimento tem se acelerado - em substituição ao superávit primário, para evitar os efeitos do ciclo econômico que se concentram na receita.
A discussão sobre a política fiscal e o nível de endividamento do setor público brasileiro tem duas dimensões: a do impacto do gasto público sobre a demanda agregada e seus efeitos sobre os preços; e a de solvência do setor público.
Desde 2002, quando da eleição de Lula para a Presidência da República, não se fala no país em risco de o governo não conseguir honrar seus compromissos. A confluência de tantos alertas vindos de dentro e de fora do país indica que a preocupação começa a se deslocar para o questionamento de solvência.
No governo, é visível a mudança do discurso. Falta, no entanto, identificar a mudança da prática. Colocar a mínima dúvida quanto à solidez das finanças públicas a essa altura seria um pesadelo.
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