E m contrapartida, vai aumentar a dívida líquida da União, porque reduzirá o valor dos seus ativos. Em outras palavras, está sendo feita uma federalização da dívida, em favor do contribuinte da cidade de São Paulo — diz Giambiagi.
A proposta beneficia outros entes da Federação, mas em valores menores. Gomo o projeto — relatado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RI) — dá benefícios a outros, ainda que em tnenor escala, será facilmente aprovado, quando for a plenário na semana que vem.
— Por que uma cidade tem uma dívida muito maior que a das outras? Ou porque ela se endividou mais ou porque não soube gerir os recursos. É algo de uma iniquidade distributiva brutal — diz Fabio.
Um assunto indigesto, desde sempre, é renegociação de dívida, mas é fundamental entender. Para encurtar uma longa história: os estados e municípios estavam quebrados na década de 1990. Dívidas velhas, com vários bancos, e que não conseguiam pagar. Dívidas que os governadores levantaram junto aos seus próprios bancos estaduais. Essas instituições, aliás, haviam virado financiadores dos seus controladores, e os governos estaduais se tornaram, na prática, emissores de moeda. Distribuidoras de energia estaduais não pagavam às geradoras federais. Era um novelo infernal de dívidas.
Tudo isso foi objeto de um paciente trabalho de renegociação, limpeza, saneamento após o Plano Real. Bancos estaduais foram fechados, o governo federalizou a dívida e tomou recursos no mercado para emprestar aos entes federados para reorganizar as finanças.
Tudo organizado, estabeleceu-se que o indexador seria o IGP, com juros que poderiam ser de 6% a 9%. Quem entregasse o equivalente a 20% da dívida em ativos, pagaria juros de 6%. Se o abatimento fosse de 10%, pagaria 7,5% e quem nada entregasse pagaria juros maiores, 9%. Na época, vários estados abriram mão de suas empresas de energia para serem privatizadas, o Rio entregou royalties de petróleo que ainda iria receber. Tudo para pagar juros menores. São Paulo nada quis oferecer. Se a medida passa a valer retroativamente, essa diferença será anulada. E todos terão as mesmas vantagens.
O governo Federal teve que se endividar para sanear os estados em R$ 100 bilhões, isso sem falar no programa de saneamento dos bancos estaduais, o Proes.
— Não é verdade que a dívida está ficando impagável. Em 2002, o total da dívida dos estados e maiores municípios renegociada era 14,7% do PIB. Vem caindo anualmente, e o último número, de agosto de 2013, é 10,1% — diz Giambiagi.
Quem tem dívidas maiores, que são os estados grandes, será mais beneficiado por essa transferência de riqueza que acontecerá agora da União para estados e grandes municípios. O projeto vai mudar o passado e oferecer para o futuro sempre o indexador que for mais baixo — IPCA mais 4% ou IGP ou Selic. O Ministério da Fazenda diz que não quer ter lucro nessa operação e por isso acha que ela é justa e que se é uma troca de indexador não se configura uma renegociação da dívida. Economistas que acompanham finanças públicas acham que o que está sendo feito é, sim, renegociação, porque muda o passado.
Isso tudo permitirá aos estados e municípios tomarem novas dívidas justamente num ano eleitoral. Não será pouco. O cálculo dos economistas é que a dívida de São Paulo cairá de R$ 54 bilhões para R$ 30 bilhões.
Após toda aquela renegociação feita em 1996 construiu-se a base na qual foi negociada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, entre outras coisas, proíbe no seu artigo 35 a renegociação das dívidas. Sempre houve pressão para renegociação e sempre foi negada, inclusive no governo Lula. Mas agora, após a eleição de Fernando Haddad, do PT, para a prefeitura, foi mais fácil convencer o governo a ceder.
— Isso que está sendo feito agora é uma verdadeira contrarreforma fiscal. Estão destruindo as mudanças feitas lentamente por vários negociadores da dívida. Às vezes, bate um desânimo — disse o economista Fábio Giambiagi.
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