O GLOBO - 22/09
Análise da FGV estabelece correlação entre dívida bruta, juros, exportações para a China e desvalorização do real. É o dirigismo cobrando alto preço
Fuga de capitais de países menos desenvolvidos para os Estados Unidos, em busca de títulos do Tesouro americano, e a consequente desvalorização das moedas das economias atingidas pela perda de divisas são sintoma clássico de crise financeira. Desta vez, o gatilho foi puxado em 22 de maio, quando o presidente do BC americano, o Fed, Ben Bernanke, fez a primeira menção à desaceleração do programa de “relaxamento monetário”, pelo qual US$ 85 bilhões são gastos mensalmente na recompra de títulos públicos, para incentivar a economia.
Foi dado, então, o sinal de que se aproxima o fim do longo período de juros quase zero, à medida que o setor produtivo americano consolida o processo de recuperação. E, como sempre, os mercados se anteciparam aos fatos, agiram nas expectativas, e, com isso, aplicações financeiras nos países emergentes foram resgatadas, com o dinheiro sendo aplicado em títulos do Tesouro dos EUA, diante da perspectiva de aumento de sua rentabilidade. O Fed, porém, manteve o programa de injeção de bilhões de dólares em circulação. Mas o fim do relaxamento monetário virá em algum momento. Mesmo que seja só em 2014.
Do início de maio a 22 de agosto, segundo a última Carta do Ibre, Instituto Brasileiro de Economia, da FGV, entre 18 economias emergentes, as maiores desvalorizações foram das moedas indiana (rúpia), 22%, e do real, 18,7%. Pelo antigo método de análise de crises, essas economias estariam no curso de um grave aperto de balanço de pagamentos (as transações de moeda e mercadorias do país com o exterior). Os déficits em conta corrente de Índia e Brasil não são baixos. O brasileiro se aproxima de 4% do PIB, o da Índia já ultrapassou este nível. Porém, as duas economias contam com elevadas reservas — US$ 370 bilhões o Brasil e quase US$ 300 bilhões a Índia. Este é um fator importante a diferenciar a atual onda de desvalorizações das ocorridas no passado, e a afastar a ideia de uma nova crise mundial decorrente desta mudança de rumo de fluxos financeiros.
Mas por que as desvalorizações? A Carta do Ibre alerta: há uma correlação entre as desvalorizações, a dívida bruta, juros praticados pelos países, bem como a dependência em relação à China. Quem está em situação fiscal não muito confortável, juros elevados e exporta proporcionalmente muito para a China — que continua sob observação — tem sido mais punido na fuga de divisas. E o Brasil se enquadra em todos os quesitos. Na questão fiscal, é observada a dívida bruta, em elevação lépida no caso brasileiro, depois de o governo ter resolvido manter o recurso de emergência usado em 2009 de capitalizar o BNDES por meio de altas doses de transferência de dinheiro do Tesouro, obtido por endividamento público. Operações estas com impacto na dívida bruta, já em 68,4% do PIB, segundo o FMI — contra 35% do conjunto dos emergentes. Não por acaso, a dívida bruta da Índia é semelhante à brasileira: 66,8% do PIB. O dirigismo cobra um preço na forma de desvalorizações e, em consequência, mais inflação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário